quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Reencontro

O cheiro foi a primeira coisa que marcou. As mãos eram longas, brancas, delicadas e fortes como desejava, mas o cheiro tinha algo que não sabia decifrar porque achava tão bom. Aliás, tudo nela era questionável, seus dentes superiores eram tortos, mas seu sorriso parecia o mais doce que já vira, que junto com o movimento apertado dos seus olhos castanhos cor de chocolate davam-lhe um ar de menininha, suas pernas eram compridas demais, se vestia de forma errada, mas para ele era tudo muito interessante. O que teria de bonito talvez fosse mesmo os olhos, castanhos escuros que combinavam com seus cabelos também escuros e que contrastavam com a sua pele branca. A encontrou na padaria exatamente as duas da tarde, aquelas tardes para ele pareciam infinitas desde o dia em que ela não o quis mais. Dormiu depois de ter chegado do trabalho e comido seu almoço, o que o seu médico não recomendava, pois seu estômago não funcionaria bem, a gastrite era a doença que mais lhe tirava os prazeres, desobedeceu como sempre as ordens do médico e tirou a sesta como um bom cristão que não era. Acordou e como de costume lembrou-se dela, das tardes em que passara com ela, tão doces e cheias de um futuro que não chegaria a existir, doces expectativas manjadas em que o coração dele caíra quase por querer. Foi à padaria a procura de um sonho, de creme como tinham comidos juntos numa tarde, e encontrou ela a procura exatamente do mesmo sonho. Estava fresca e linda como nunca a tinha visto, seu cabelo estava diferente e parecia mais escuro, seus olhos mais castanhos, e o seu cheiro como sempre inconfundível, aquele perfume no corpo dela exalava um cheiro que nunca conseguiu sentir igual em outro corpo. Mesmo que em pontos de ônibus, salas de aula, supermercados e tantos lugares aspirasse esse mesmo perfume em outras pessoas e seus sentidos se ativassem ao lembrar-se dela, no corpo dela este perfume tinha uma composição que lhe embriagava e que o deixava quase tonto de êxtase. Respirou fundo, seu coração começava a bater de novo desesperado, era o que sempre desejava, revê-la, quando passava pelos lugares em que poderia encontrá-la desejava vê-la, mudava seu caminho só para passar perto de sua casa e talvez revê-la, mas naquele momento o que queria era se afundar no chão seco da padaria e sumir, as batidas do seu coração eram incontroláveis, tudo parecia andar rápido agora, no mesmo ritmo inconsciente do seu coração, a garota do caixa entregava o troco mais rápido, os pães saiam do forno mais rápido e mais rápido ela virava o olhar para a sua direção e mais rápido lhe veria, e ele?O que iria fazer? Um simples oi pensaria qualquer um, mas o que ele desejava era mais que isso, era como se aquela oportunidade não voltasse nunca mais, era como se aquele momento tivesse sido esperado a vida inteira, e ele ali parado, estático, como um idiota, apenas seus pensamentos se movimentavam, a cada segundo morria de ansiedade e a cada outro segundo nascia de novo de vontade de rever aqueles olhos em que ele comparava aos de uma atriz de novela. Seu desejo seria realizado, depois de dias e dias olhando para o celular e desejando uma ligação, e desejando ligar, depois de dias e dias a relembrar, a ouvir as músicas que tinha ouvido com ela, os filmes que tinham visto juntos, a sonhar com os abraços, beijos, conversas, a fazer planos para quando ela decidisse voltar, a xingá-la por sua ingratidão, a desejá-la no banho, no quarto, no ônibus,no trabalho, em outros corpos, depois de ter imaginado seu sorriso, sua bunda, seus seios, suas costas, seu café, sua cama, sua casa, depois de ter desistido e a amaldiçoado, depois de ter resistido e se libertado, depois de ter voltado a se perguntar o porquê de não terem dado certo, ela estava ali, olhando pros doces no balcão com a mesma boca carnuda, com a mesma tatuagem que aparecia pela metade na cintura por cima da calça jeans, e com a mesma sutileza e despreocupação que lhe davam o ar de quem não percebia que o mundo estava se destruindo. Quanto a ele, seus lábios tremiam desesperados a procura de palavras certas para quando enfim ela lhe visse e falasse com ele, as outras pessoas da fila em que estava logo reclamavam de sua posição inerte e boba, e ele nem sequer os ouvia, dentro da sua mente as vozes se embaralhavam, foi quando ela de repente virou o rosto em sua direção e logo o dele virou para frente num movimento mecânico de medo e impotência, pagou ao caixa e logo saiu da fila, que atrás de suas costas fazia caras e bocas de mau-humor, será que ninguém aqui nunca se apaixonou? Pensou. Enquanto se livrava da fila olhou em volta e não a viu, mais uma vez se desesperou dessa vez de frustração, será que teria perdido a oportunidade? E mais uma vez olhou pro chão e quis se afundar, dessa vez de burrice, a burrice típica dos apaixonados, mas seu coração se acalmou, talvez por não ter mais o objeto que desejara por perto, olhou para saída da padaria e foi seguindo em rumo a sua casa, distraído não percebeu a principio mas logo no fim da fila ela estava com os sonhos numa sacola a esperar despreocupadamente, neste instante seus olhos que antes miravam o chão a repararam e o seu coração de novo desperto batia mais depressa cada vez que o seu corpo se aproximava do dela, enfim se encontraram e enfim estavam frente a frente. O coração dele podia ser ouvido ao longe, mas no êxtase estranho de se estar apaixonado de vez em quando se acalmava e se agitava, ficou parado por alguns segundos em frente a ela, que sorria como na primeira vez que se beijaram, e como da primeira vez que a beijou ele não sabia se ia ou não, e as pessoas que passavam na frente deles só aumentavam a sua ansiedade. Ela o olhava calma, mais dois ou três sorrisos apertando os olhos como ele admirava e ele chegava mais perto, parecia que estavam em uma cena, em câmera lenta. Passados os transeuntes enfim as bocas dos dois falaram e pronunciaram um “oi” quase simultâneo, ele desejou mil textos, mil frases, mil palavras, tinha decorado e ensaiado aquele momento diversas vezes, e como um ator nervoso pela estréia do seu primeiro espetáculo, naquele instante ao abrir as cortinas esqueceu tudo, tudo aquilo que realmente ele não queria dizer, aliás, tudo que ele queria era ficar em silêncio, e ficou. A fila caminhava e ela chegava ao caixa, ele continuou ali no seu oi infinito, ela pegou a sacola e saiu da fila a caminho da saída, antes disso mais uma palavra, que não foi um “Até logo” ou um “Até um dia” mais um “adeus” frio e sem sentimento que o puxou do abismo escuro em que ele estava inserido até o momento, ao retornar a realidade, ele também disse adeus, e assim os dois saíram em direção as suas casas seguras e solitárias.