segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

No mesmo lugar

Não sei mais fazer poesias
Acho que nunca soube.
Poesias são mais que rabiscos sentimentais.
Depois que te conheci tudo virou isto:
Uma vontade doida de expressar o que sinto.
Depois que conheci o amor...
Uma vontade doida de enfeitar a vida.
Do tédio já não quero mais falar,
E do teu sorriso já não posso mais dizer,
Me proibi.
Depois que conheci o desejo...
Uma vontade doida de se iludir.
Depois que conheci o medo...
Apenas tive medo.
Antes de começar a escrever
Eu disse que não iria falar de você.
Já bastam os pensamentos,
E o mundo todo dizendo que amar é sofrer.
Depois de tantas poesias de amor...
Eu quis inovar
E acabei aqui
No mesmo lugar.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Par perfeito

Eu sei que por trás desses óculos de Clark Kent existe um coração
E ele é parecido com o meu.
Pulsa.
Pulsa como bate-estaca de boate.
E é doce
Doce como leite com Nescau,
Igual ao que você fez para mim.
Seus conselhos tipo auto-ajuda já me serviram muito,
Risadas e puxadas de orelha também.
A gente se faz bem.
No fundo somos iguais,
Eu versão feminina de você.
Sem Harry Portes e outros Best-sellers é claro!
Mas o que seria de você se eu concordasse com todos os seus clichês?
E o que seria de mim se você aceitasse todas as minhas teorias confusas?
E o que seria de nós sem madrugadas chuvosas no centro da cidade?
Esses conselhos são fundamentais...
Mesmo que nem sempre eu os siga.
E mesmo que todos os amores do mundo nos façam chorar,
Caminharemos juntos
Sempre.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Insônia, desejos e poesias.

Agora vou dormir e esquecer do que está guardado.
As madrugadas têm cores belas que só percebemos quando estamos acordados,
Mas há na insônia algo de incompreensível,
Não dormimos porque não paramos de pensar
Ou porque não pensamos em dormir?
Escrevi minhas poesias sob a luz laranja que entrava da janela
E dei a minha insônia uma nova função.
Enquanto o desejo perseguia o meu sono,
E abria os olhos da minha inconsciência,
Eu furei os olhos do passado com uma caneta esferográfica,
E destilei sangue com cor de tinta
Para sujar os meus papéis.

Quantas vezes amor?


Você não quer fazer poesias de amor?
Um poeta me disse que todas as poesias são poesias de amor,
Mesmo que não falem de amor.
Porque o amor entra em todas as poesias,
Consumindo os poetas que não querem falar de amor.
O amor come os restos que deixamos guardados dentro de nós,
O amor derruba as máscaras que pomos quando queremos ser felizes,
O amor arruma as malas e vai embora quando se cansa,
Dar lugar ao vazio,
Que enche.
Precisamos do amor.
Já dizia um outro poeta que tudo é amor,
Já dizia alguém que amar é tudo,
E se em tudo há amor,
Que façamos poesias de amor...

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Fundamental é ler!


Que contos e poesias não tenham
O mesmo tédio que há na vida.
Pois a vida esta que morna ou quente,
Fria ou gelada,
Entre goles, tragos e beijos,
Não é suficiente para nos tornar felizes.
Pois quando estou a cansar de viver tal vida tão insuficiente,
Quero o colo quente de um livro.
Um livro que me abrace como nenhum amante me abraçou,
Ponha-me terna e feliz,
Ébria e apaixonada sobre suas páginas,
E me faça suspirar, sonhar e viver a vida que não existe,
Mas que é suficiente para me distrair,
Desta vida que de insatisfação vive a cada hora morta que não é bela como um livro.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

“Sempre que desejo acabo pertencendo”


Fitinhas vermelhas amarradas no dedo para não esquecer o que se quer lembrar. Para quê escrever com palavras o que não se quer dizer com palavras? As palavras agora já não servem, tanto que as esqueci, esqueci o meu caderninho na gaveta e nem faço mais questão de anotar os dias inesquecíveis que passaram, que importa? Que se vão todos com o tempo, as pessoas e os discos voadores, perdidos no espaço e na lembrança. Porque tudo o que eu mais quero esquecer é o que realmente quero e não posso ter, e que por isso não esqueço. Noites mal dormidas se questionando se devo ou não pensar no que não tenho e no que tenho, se devo fugir e viver do que existe, as ilusões nunca serviram para nada mas são a melhor parte da realidade. Quero todos os sorvetes do mundo para tomar com a melhor companhia que não posso ter ou todos os vinhos do mundo para me embriagar porque não posso ter tudo que desejo. Ter, fugir, conseguir, esquecer, machucar, amar, sentir, cuspir, gozar, mundo cruel. O ano se passa com os melhores dias que tive, os melhores dias que não foram bons. Viver é conseguir passaportes para uma viagem que você sabe que não vai dá certo, mas que você quer ir e vai porque você tem esperança que dê certo. Lendo as melhores tragédias e vivendo a maior comédia que é a vida, se eu mandasse no seu coração eu diria: não me ame mesmo. Porque é bom não amar ninguém de vez em quando e ter o coração batendo a cada esquina por engano. Fazer versos para serem lidos e esquecidos, a verdade é que todos são para mim, para eu lembrar que amei. Porque amar é diferente, quem nunca amou deseja amar, porque amar é cool, está nos livros, nos discos, no cinema, no supermercado, tem coisa mais na moda que amar? Comprar aquele presentinho no dia dos namorados e dizer “é para o meu namorado!” Quer saber, já estou cansada de tanta responsabilidade, já estou cansada de Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, novela das oito e etc. Porque não falamos de sexo? Não me prometa nada, esqueça as promessas, porque eu gosto mesmo do imprevisto, é isto que me atrai, o que não tenho certeza, pois é o que se parece mais comigo. Esqueça o que eu quis dizer naquela noite porque são só palavras e as palavras não dizem nada, tenha olhos, mãos e boca para sentir, esqueço de querer dizer, esqueço de me preocupar, esqueço de mim, de você e do mundo, esqueça você também, esqueça de ter medo, esqueça de sofrer e de machucar, machuque, viva, sinta, o que sinto, o que você sente, sinta, experimente, tente, morra, tudo de novo e de novo, esqueço de chorar pois já não consigo mais sofrer, a vida me pede para viver e viver tudo de novo. O que não foi se deixa guardado, e o que ainda pode ser se deixa a vista para de vez em quando usar. Eu poderia escrever um texto triste, porque seus olhos e a presença da realidade me deixou triste por um momento, e essa tristeza ainda está guardada junto com os cacos de palavras e beijos que não foram dados, esperando um novo dia de tédio para dá as caras, mas algo me diz que todos os dias felizes e tristes que vivi foram só copias de mais dias tristes e felizes que ainda estão por vir. Então não posso apenas estar chorando a meia luz de um quarto com medo da tempestade não passar se no fundo eu sei que ela vai passar porque depois da tempestade sempre vem a bonança. É a única certeza que tenho, que tudo passa, mesmo que seja com a morte e a morte é a única certeza que não é certa, pois nunca saberemos o que vai acontecer de nós depois dela. Esqueçamos tudo então, aos goles de uma bebida qualquer ou com alguma droga qualquer ou ao som de uma música qualquer, ou beijando uma boca qualquer, esqueçamos. Para vivermos tudo e tudo de novo, vivamos o amor, o ódio, a dor, a ilusão, a saudade e a falta, a alegria, vivamos, eis para isso que aqui estamos, viver. Mas se queríamos ao menos fazer uma poesia era porque a poesia é a forma mais simples de expressar o que não conseguimos falar, o que não existe na linguagem das palavras, o que só se pode sentir, a poesia consegue guardar nessa nossa linguagem errada e incompreensível o que não se ler, o que está implícito, é a forma mais bela ao menos. E junto com o que tivemos a oportunidade de ser, guarde as palavras que eu nunca disse e os dias que foram bons e tente fazer uma poesia, para colorir a vida que continuará sendo cinza, a olho nu.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Amar é sofrer?


O escuro cotidiano de sempre, nas poltronas os casais sentam, sim, todos casais, ou duplas, ou trios, mas todos acompanhados. Eu estava só. E torcia para que ninguém sentasse a minha frente, queria ver a tela, grande e luminosa, como se tivesse sido feita somente para mim, e como se tivesse somente eu ali. Enquanto não começava o filme eu me lembrei da última vez que tinha ido ao cinema, estava acompanhada, e me questionei também o que as outras pessoas deveriam achar de eu estar ali só, não tinha nenhum problema, mas imaginei o que se passava na cabeça das pessoas que estavam acompanhadas. Um casal a minha frente se beijava, achei feio o jeito que ela beijava o namorado e achei linda a cena em que os atores faziam amor. O filme falava de amor. A cada frase o amor era questionado, “paixão significa sofrimento”, “amor recíproco infeliz”, a cada frase eu repetia mentalmente como que para me lembrar depois e repetir para alguém, ou simplesmente para refletir cada significado, amar significa sofrer? Os atores se questionavam em meio a felicidade que viviam e relembravam os grandes casais que sofreram por amor na literatura ocidental, em cada cena eles expunham que amar nem sempre era sofrimento, e a cada nova cena eles mostravam que as grandes estórias de amor só eram grandes estórias de amor porque eram paixões impossíveis e sofredoras, eles mesmos começavam a sofrer, porque o tédio da tranqüilidade e da reciprocidade amorosa logo vinha a dominar a tela, e nenhum filme é interessante quando o casal protagonista simplesmente se ama em frente aos nossos olhos, é preciso o sofrimento, como o próprio filme mostra. Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Bentinho e Capitu, ou simplesmente Donatella e Zé Bob, ou mais que simplesmente você mero leitor e alguém que você ama, mas que não lhe queira por algum simples motivo. Amar e ser amado, qual a graça nisso? Seria simplesmente isso que eu e qualquer pessoa que estiver apaixonada gostaria nesse momento, e o próprio filme termina com o final feliz, mas é que parece que só há amor, só sentimos amor quando sofremos. “Nunca mais alegrias sem dor”. Se case agora com o amor da sua vida porque você se sente feliz com ele, mas saiba que nem sempre o amor vai significar paz, pois quando este mesmo parecer tranqüilo demais é porque algo já não anda mais batendo forte. O filme terminou com um final feliz, os protagonistas ficaram juntos e seguiram felizes, mas a mocinha só voltou para o mocinho depois de uma desilusão e o mocinho só foi aceito pela mocinha depois de errar. Enfim, não foram tranqüilos até o fim, passaram pelo velho sofrimento tão abordado pelas estórias românticas. Por mais que amemos e sejamos felizes, o sofrimento vai sempre fazer parte desta felicidade, seja quando você ame e seja amado ou quando você ame a pessoa errada. Não é preciso que a sua estória termine em morte ou em separação, não é preciso que você morra ou se mate por amor, o simples fato de amar já é motivo para se perguntar: amar é sofrer?

O jogador


Já foi um longo tempo em que me esqueci de esquecer, só para curar o tédio, só para manter o coração ocupado. Os jogadores blefam e o meu jogo nunca dá certo, perco as apostas e tento roubar, mas sempre sou pego, que jogo é esse em que só faço perder? Há jogadores que sempre apostam e ganham, outros sempre tem uma carta na manga. Eu desisto, enquanto jogava perdi de estar dançando no baile, ou tomando um drink no bar, perdi meu dinheiro todo e agora estou sem nenhum tostão, nenhum tostão para continuar o jogo. Esse jogo que quando não é ganho pelo mesmo jogador acaba em tiros porque alguém tentou esconder as cartas debaixo da mesa. Coloquei as cartas na mesa e me fixei no olhar do meu adversário, nem parecia que ele estava blefando, culpa da minha inexperiência, acreditei e perdi. Agora longe da mesa de apostas eu me pergunto se não tem um jogo mais fácil, um jogo menos perigoso, ou que não tenha apostas, pois este jogo já foi longe demais, insisti e acabei me viciando, virei chacota para os meus adversários, e minha mulher me deixou com o futuro filho que carregava na barriga. Acabei só em meio aos jogadores achando que era um também, e logo eles me mostraram que eu não sabia jogar, agora tento limpar as calçadas dos bares para ver se arranjo um trocado, e se o meu vicio não persistir possa ser que eu junte dinheiro e fuja, mas se ele persistir, vou acabar de novo na mesma mesa com os mesmos jogadores sujos a desfilar seus anéis de ouro, seus charutos fétidos e seus sorrisos provocadores de vencedor. Eu estou só junto com o cachorro do mendigo esperando que o tempo me dê mais tempo, mais calma e mais sabedoria, posso jogar mais uma vez e perder, então para que continuar no jogo? Mas o vicio é forte, e os jogadores sempre rondam a minha casa a procura de mais um jogador, e de preferência um tão fraco quanto eu, um que sempre erre nas apostas. Enquanto isso eu conto as notas que restam e penso no meu futuro, quanto ao passado já passei quase seis meses jogando, agora posso virar a mesa e procurar algo mais interessante para passar o tempo, algo que não me consuma como este jogo, algo que não precise de jogadores e blefes.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Saudade: palavra sem significado.


Sinto falta dos lábios
Densos
Principalmente o inferior.
Sinto falta dos olhos
Castanhos cor de escudo
Impenetráveis.
Sinto falta das mãos
Leves
Que tocaram o que nem todos conseguem tocar.
Sinto falta do tempo
O maldito tempo que parava.
Sinto falta da pele
A cor.
Do cheiro não sinto falta
Está guardado
Sinto falta de senti-lo.
Infalível.
Sinto falta de ter e temer
De te velar e não conseguir dormir.
Sinto falta do amor que nunca tivesses.
Sinto falta do filme
Do sorvete napolitano
Do beijo nos batentinhos.
Sinto falta de poder
Estar
Perto.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Pedido


Antes de todas as coisas passarem

O tempo da o ar da graça

Sopra as poeiras e arranca as árvores

Cabe a nos percebemos no que estamos errados,

Mas o perceber requer mais tempo,

Que de novo vem e leva consigo o que sobra.

Antes de todas as coisas passarem

Eu peço que o tempo arraste de mim as más escolhas,

E deixe as boas para que eu não perca mais tempo.

Ó tempo senhor de tudo

Sopre leve e derreta meu escudo

Não faça o tempo parar quando eu estiver amando,

Não faça o tempo voar quando eu estiver feliz.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Monotonia poética


Talvez saia uma poesia
Dessas com declaração de amor que nunca dão certo.
Talvez saia um conto
Falando de olhos, tardes românticas, e encontros perfeitos que não passam de encontros.
No final de tudo, tudo que acontece serve para inspirar.
E se não acontece nada o tédio também inspira.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Imagin(ANDO)


O vento passa pelas folhas
Meu pensamento está longe e como o vento passa.
Podemos fugir e pegar aquele carro no meio da estrada?
Será que temos sempre outras alternativas?
Ela disse que ia vender seus filhos
Eu me imaginei tendo um.
Eu imaginei também uma grande noite,
Roda gigante, casas coloridas, frio, abraço.
Imaginei final de tarde,
Sorvete com duas bolas,
E correr pelo parque feito criança.
Imaginei que desse certo.
Imaginei paz,
Eu a tive
Mas não era a que eu queria.
Como dói a verdade,
Como dói entender,
Eu imaginei ser como a mulher que quer vender os filhos,
Como o cara que corre veloz na pista,
Como o rapaz que caça insetos,
Eu me imaginei sem medo,
Eu me imaginei sendo fria,
Eu me imaginei sendo outra.
Só imaginei.

sábado, 6 de dezembro de 2008

"As palavras deviam exprimir exatamente aquilo que queremos dizer"



Mesmo que a recordação do cheiro passe eu ainda devo levá-lo para algum lugar por um tempo, para o abismo do meu coração, no passado trancado a portas que não abrem mais, ou para as caixinhas coloridas cheias de lembranças onde posso abrir a qualquer hora. Eu aprendi que de tudo sei sobre o nada, e que se volto atrás sou a pessoa mais estúpida do mundo. Estupidez é o que eu digo, ingenuidade é o que falam. E se falam mentem, e se escrevem poemas desabafam, nunca use um poema para mentir, não dá certo. Seria também a traição mais cruel ao sentimento que não sente. Poema é coisa séria, escrever é coisa séria, isso eu aprendi, aprendi tentando escrever, só não aprendi a escrever. Acredito no que a Clarice Lispector disse sobre escrever, que escreve para encontrar as respostas, um auto-conhecimento, é bem claro isso quando escrevemos, tentamos exprimir algo além da palavra, algo que não poderíamos dizer, e na maioria das vezes erramos, as palavras traem, assim como na fala também se erra na escrita, não dizemos aquilo que queremos e quanto mais nos conhecemos mais nos perdemos nesse conhecer. Me escondo e me acho quando escrevo, me mostro e me escondo. Eis porque escrever se torna um vicio, queremos achar mil coisas dentro de nós, mil pedacinhos falhos e acertados, mil coisas doces e ásperas, encontrar a beleza que não existe na nossa superfície. E queremos nos mostrar, porque somos os bichos mais vaidosos, mas às vezes mostramos tanta coisa feia e nos escondemos como bichinhos medrosos. O mais medroso é o escritor, ele guarda tudo que sente para seus textos, decora tudo para falar e não fala, guarda tudo para depois vomitar no papel, bichinho egoísta também e vaidoso, até o mais tímido adora mostrar o que escreveu. Eu gostaria de levar agora o cheiro que senti para esse texto, faz tempo que tento, mas não consigo, por quê? Eu queria guardá-lo, tirá-lo de mim, já esfreguei mil vezes, queria tomar banho de ácido, porque sabonetes e água não bastam. Mas o cheiro se impregnou, tomou conta e continuo a senti-lo mesmo que tapando o nariz, algo fora do corpo, psicológico, que se mistura ao físico para dar vida ao que só existe na imaginação. E que fique na imaginação já que o real é o que existe, não quero ilusões para curar o tédio, não quero poemas, nem declarações, quero verdades, beijos e abraços e outras coisas que se possam tocar. Mas agora acho que já falei demais como sempre, tantas palavras para perceber que não queria dizer nada disso.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Me ponho sobre seus cabelos e penso:

Teus cabelos encaracolados não sabem o que fazem
Me ponho sobre eles e penso: porque o mundo é tão cruel?
Não somos desse mundo, somos de outro mais bonito
Com sorrisos e cócegas que não cessam
Com narizes tortos indicando a gentileza
E sorvetes de amendoim.
Me ponho sobre seus cabelos e penso: de onde vem tanta calma?
Se vivemos com pura alma e somos burros,
Se não vivemos e não sentimos como querem,
Se nos importamos,
Se somos nós e não cansamos de ser.
Se sou eu e você em uma praça a nos perguntar o que devemos amar,
Mais uma vez me ponho sobre seus cabelos e penso: sofro.
E por sofrer às vezes sou feliz.
Não há mal nisso.
Me ponho sobre seus cabelos e penso: que poesia deveria decorar para você?
Se sabes do Quintana, do Bandeira e do Gullar,
Em qual lugar?
Numa praça, numa estação, ou num boteco,
Em que teto devo estar?
Me ponho sobre seus cabelos e penso: como pode me compreender?
Como pode gostar dos meus olhos se eles nada dizem?
Me ponho sobre seus cabelos e penso: é aqui que deveria estar.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Entre príncipes e princesas


Mais uma noite se passa com a mesma calma que não gosto, enquanto buscamos a segurança somos atraídos pelo perigo, ele que move, ele que envolve, com suas mãos de fada e seus olhos de doçura. Quente entre pernas e quartos a meia luz. Porque não querer o óbvio, o que a gente sabe que vai dá certo, a certeza plena não envolve, não satisfaz. Enquanto se fecham as portas das oportunidades se abrem as portas do medo, e não adianta ter jardins floridos para sustentar a ilusão, um dia a chuva vem e arrasta as rosas com as raízes mais firmes do seu jardim. A realidade é o abrir de olhos em meio ao sonho mais feliz, é o final do abismo em que se caiu, o chão, é o pai bravo descobrindo seu segredo, o último adeus a quem se ama. Eu poderia acordar agora, tomar o meu banho, vestir a minha roupa e continuar a minha rotina com o que tenho e o que posso ter, apenas. Mas precisamos sonhar, só para ficarmos insatisfeitos, a eterna insatisfação humana não se satisfaz. Mesmo que eu tenha sonhado o sonho inteiramente, sem nenhuma interrupção, mesmo que alguém tenha me contado uma linda estória antes de adormecer, dessas em que o príncipe salva a donzela em perigo, ou a que o bem vence o mal no final, a realidade continua a ser a vilã que rouba a cena, e fico de olhos abertos a noite inteira, vendo o sonho passar junto com a noite, e o real se aproximar junto com a manhã, pulo da cama da fantasia e volto para a cama da realidade e dela vejo o corpo do sonho estendido na cama da fantasia me dizendo para voltar. E como a mocinha indefesa que insisto em não ser volto, mas nesse conto de fadas o final não é previsível, mesmo que as pistas levem para um final infeliz, na minha estória não existe o príncipe que venha me salvar, me cansei do príncipe e me sinto culpada por isso, me cansei de ser princesa e por isto não sinto culpa. E busco enfim o caminho que não tem tijolos de ouro, o mais difícil, o que uma princesa não escolhe sozinha, pois no seu castelo há criados que lhe servem. No meu castelo não há mais criados, nem príncipes, nem reis despóticos, nem rainhas loucas, nem mesmo eu sou uma princesa, e mesmo que eu ainda acredite em conto de fadas eu sei que no final da estória não vai ser um príncipe que vai me salvar.

Maldito tempo e seus círculos


As luzes da cidade brilharam sob o prédio e eu olhando pela janela me perguntei em que mundo estava? Minha cabeça estava cheia, meu coração estava aflito, de novo olhar nos olhos das pessoas e ver a mesma expressão previsível, de novo olhar para dentro de si e me perguntar, o que estou fazendo? Eu queria não dormir hoje, mas meus olhos estão cansados, mesmo assim meus sonhos vão refletir os desejos que tenho e as vontades que não vão ser atendidas. Eu só queria encostar minha cabeça em um ombro, apertar meu corpo bem forte contra outro ou deslizar minhas mãos em mãos mais fortes que as minhas só que dessa vez mais seguras. Encontrar um coração mais seguro que o meu, poder ouvir eu te amo sem se sentir culpada ou confusa, dizer eu te amo sem ter medo da resposta. Mas o tempo não passa, o tempo faz círculos e volta para os mesmos lugares cheios de ilusões me deixando tonta de sensações que não passam. A felicidade é tão cruel que volta, a felicidade é tão cruel que engana, a felicidade é tão cruel que quando chega escolhe os olhos mais doces para se esconder, as mãos mais sensíveis para te tocar, a boca mais gostosa para dar gosto, o cheiro mais denso para te embriagar, e o corpo mais forte para te prender, e prende quando você já está lá e não há mais volta porque você não quer ir embora. A felicidade escolhe os sentimentos mais nobres e combina com eles o tempo certo de chegar e ir, e vai, deixando conosco, a rotina, o tédio, o medo e a ilusão. O cheiro doce que sinto agora não é o mesmo daquela noite, sorte que me lavei para não levar comigo os sonhos que guardei a madrugada inteira, com medo de dormir e acordar com a realidade, quis olhar seu corpo e fingir que era real, fingir que era possível, que era simples, como uma música qualquer, quis olhar seu corpo a noite inteira e fazer o tempo parar, para não ter que acordar e enfrentar a realidade com outros olhos, olhos tão doces quanto os seus, olhos mais sinceros que os meus, ouvir palavras com significados tão cruéis, mas mais sinceras que as minhas, queria ser forte e mentir, queria não querer, queria não entender, queria não ser eu agora. Não me pergunte se estou triste, não estou, só estou procurando olhar para dentro de mim e ver que não sou a única pessoa que existe no mundo. Eu sei que gosto disso, eu sei que prefiro a ilusão que o tédio, mas agora acho que não preciso mais ocupar a minha vida com ilusões, nem com banalidades, nem com pessoas e sentimentos que não dão certo, não preciso mentir, nem enganar, o tédio agora pode ser mais seguro e pode me fazer entender o que ainda não aprendi, não quero sair hoje e ocupar a minha cabeça, posso ler um bom livro, escrever ou simplesmente dormir, posso ser mais doce e menos impulsiva, posso ser eu sem precisar de outra pessoa. E não me peça para voltar, se não tiver lugar na sua casa, não me peça para pular senão puder me segurar, não me peça para te abraçar forte enquanto você dorme se na sua cama só tem lugar para você, e não me peça para ir embora se desejar que eu fique. E enquanto as luzes ainda estão acesas ou não param de piscar, eu vejo que não existe alguém que se possa mais amar do que eu mesma agora, e isso não é egoísmo, pois se não é possível compreender quem se ama, basta que eu me compreenda e perceba que não vale à pena amar sozinha.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Viver a vida


Enquanto não curo meu vício procuro os teus braços para curar meu tédio, e curo. Teus dedos me fazem ter ansiedade, eu domo os meus pensamentos aos goles de cerveja e procuro pensar em ti aos tragos de cigarro, a noite passa, a madrugada é doce, o cheiro é calmo, mas de novo não me acalmo, volto para casa com a tarde e no crepúsculo escuto as músicas que embalam o meu não-querer. Quando não consigo parar de pensar eu perco o ônibus e volto para casa mais tarde com remorso de não ter dado as moedas para o mendigo que conta as feridas no corpo para que tenhamos pena, eu tenho, mas não dou nenhuma moeda, viro o rosto para não ver o que é feio e não me sinto culpada de nada de mal que acontece no mundo, mas será que não sou? Quando paro e penso minha consciência pesa e me sinto ruim, o mundo me faz ruim, minhas ações me fazem ruim, e me sinto ruim por ser parte de tudo. Enquanto eu falo de amor, enquanto eu falo de mim, tudo está se destruindo e, no entanto agora eu me sinto a pessoa mais importante do planeta, a mais vitimada, a que não erra e que nunca errará, a que vive a vida tentando imitar um filme francês desses com jovens que aproveitam a vida, rebeldes e sem culpa, e confusos, confusos de viver. Viver confunde, viver não me faz aprender, não aprendo vivendo, mas também não aprendo se não vivo, só faço as mesmas coisas e erro de novo porque não aprendo com a vida e acredito no erro, e quero errar novamente humanamente. Todos os dias eu quero que as possibilidades de errar voltem para eu me questionar o que é certo ou errado? Para dizer que posso errar e acertar dentro do que penso ser certo ou errado e que em muitas vezes é diferente do que outras pessoas pensam, e de repente alguém me diz que amar dessa forma é sujo e escuto passivamente e conscientemente me pergunto se deveria ter ouvido e se deveria ter dito que amo e que gostaria de dizer que continuarei a amar seja quem for que me atraia por algum motivo. Gosto das pessoas e ao mesmo tempo as odeio e me odeio também por ser também pessoa e sendo pessoa ter o vicio eterno de machucar procurando não machucar, não acho que exista alguém no mundo que não pense no outro mesmo que tarde, que não pese a consciência por ter machucado, às vezes minha cabeça dói por tantos defeitos que vejo no espelho, e quero enfiá-la na terra para não ouvir o que tenho que escutar às vezes. Mas mesmo assim a felicidade vem e me embriago, esqueço o mundo, e esqueço do lado de mim que é chato, burro e mesquinho, e dentro do que penso que é felicidade entre goles, beijos e sorrisos, eu lembro de uma frase que vi num filme recentemente “ a felicidade não é engraçada”.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Reencontro

O cheiro foi a primeira coisa que marcou. As mãos eram longas, brancas, delicadas e fortes como desejava, mas o cheiro tinha algo que não sabia decifrar porque achava tão bom. Aliás, tudo nela era questionável, seus dentes superiores eram tortos, mas seu sorriso parecia o mais doce que já vira, que junto com o movimento apertado dos seus olhos castanhos cor de chocolate davam-lhe um ar de menininha, suas pernas eram compridas demais, se vestia de forma errada, mas para ele era tudo muito interessante. O que teria de bonito talvez fosse mesmo os olhos, castanhos escuros que combinavam com seus cabelos também escuros e que contrastavam com a sua pele branca. A encontrou na padaria exatamente as duas da tarde, aquelas tardes para ele pareciam infinitas desde o dia em que ela não o quis mais. Dormiu depois de ter chegado do trabalho e comido seu almoço, o que o seu médico não recomendava, pois seu estômago não funcionaria bem, a gastrite era a doença que mais lhe tirava os prazeres, desobedeceu como sempre as ordens do médico e tirou a sesta como um bom cristão que não era. Acordou e como de costume lembrou-se dela, das tardes em que passara com ela, tão doces e cheias de um futuro que não chegaria a existir, doces expectativas manjadas em que o coração dele caíra quase por querer. Foi à padaria a procura de um sonho, de creme como tinham comidos juntos numa tarde, e encontrou ela a procura exatamente do mesmo sonho. Estava fresca e linda como nunca a tinha visto, seu cabelo estava diferente e parecia mais escuro, seus olhos mais castanhos, e o seu cheiro como sempre inconfundível, aquele perfume no corpo dela exalava um cheiro que nunca conseguiu sentir igual em outro corpo. Mesmo que em pontos de ônibus, salas de aula, supermercados e tantos lugares aspirasse esse mesmo perfume em outras pessoas e seus sentidos se ativassem ao lembrar-se dela, no corpo dela este perfume tinha uma composição que lhe embriagava e que o deixava quase tonto de êxtase. Respirou fundo, seu coração começava a bater de novo desesperado, era o que sempre desejava, revê-la, quando passava pelos lugares em que poderia encontrá-la desejava vê-la, mudava seu caminho só para passar perto de sua casa e talvez revê-la, mas naquele momento o que queria era se afundar no chão seco da padaria e sumir, as batidas do seu coração eram incontroláveis, tudo parecia andar rápido agora, no mesmo ritmo inconsciente do seu coração, a garota do caixa entregava o troco mais rápido, os pães saiam do forno mais rápido e mais rápido ela virava o olhar para a sua direção e mais rápido lhe veria, e ele?O que iria fazer? Um simples oi pensaria qualquer um, mas o que ele desejava era mais que isso, era como se aquela oportunidade não voltasse nunca mais, era como se aquele momento tivesse sido esperado a vida inteira, e ele ali parado, estático, como um idiota, apenas seus pensamentos se movimentavam, a cada segundo morria de ansiedade e a cada outro segundo nascia de novo de vontade de rever aqueles olhos em que ele comparava aos de uma atriz de novela. Seu desejo seria realizado, depois de dias e dias olhando para o celular e desejando uma ligação, e desejando ligar, depois de dias e dias a relembrar, a ouvir as músicas que tinha ouvido com ela, os filmes que tinham visto juntos, a sonhar com os abraços, beijos, conversas, a fazer planos para quando ela decidisse voltar, a xingá-la por sua ingratidão, a desejá-la no banho, no quarto, no ônibus,no trabalho, em outros corpos, depois de ter imaginado seu sorriso, sua bunda, seus seios, suas costas, seu café, sua cama, sua casa, depois de ter desistido e a amaldiçoado, depois de ter resistido e se libertado, depois de ter voltado a se perguntar o porquê de não terem dado certo, ela estava ali, olhando pros doces no balcão com a mesma boca carnuda, com a mesma tatuagem que aparecia pela metade na cintura por cima da calça jeans, e com a mesma sutileza e despreocupação que lhe davam o ar de quem não percebia que o mundo estava se destruindo. Quanto a ele, seus lábios tremiam desesperados a procura de palavras certas para quando enfim ela lhe visse e falasse com ele, as outras pessoas da fila em que estava logo reclamavam de sua posição inerte e boba, e ele nem sequer os ouvia, dentro da sua mente as vozes se embaralhavam, foi quando ela de repente virou o rosto em sua direção e logo o dele virou para frente num movimento mecânico de medo e impotência, pagou ao caixa e logo saiu da fila, que atrás de suas costas fazia caras e bocas de mau-humor, será que ninguém aqui nunca se apaixonou? Pensou. Enquanto se livrava da fila olhou em volta e não a viu, mais uma vez se desesperou dessa vez de frustração, será que teria perdido a oportunidade? E mais uma vez olhou pro chão e quis se afundar, dessa vez de burrice, a burrice típica dos apaixonados, mas seu coração se acalmou, talvez por não ter mais o objeto que desejara por perto, olhou para saída da padaria e foi seguindo em rumo a sua casa, distraído não percebeu a principio mas logo no fim da fila ela estava com os sonhos numa sacola a esperar despreocupadamente, neste instante seus olhos que antes miravam o chão a repararam e o seu coração de novo desperto batia mais depressa cada vez que o seu corpo se aproximava do dela, enfim se encontraram e enfim estavam frente a frente. O coração dele podia ser ouvido ao longe, mas no êxtase estranho de se estar apaixonado de vez em quando se acalmava e se agitava, ficou parado por alguns segundos em frente a ela, que sorria como na primeira vez que se beijaram, e como da primeira vez que a beijou ele não sabia se ia ou não, e as pessoas que passavam na frente deles só aumentavam a sua ansiedade. Ela o olhava calma, mais dois ou três sorrisos apertando os olhos como ele admirava e ele chegava mais perto, parecia que estavam em uma cena, em câmera lenta. Passados os transeuntes enfim as bocas dos dois falaram e pronunciaram um “oi” quase simultâneo, ele desejou mil textos, mil frases, mil palavras, tinha decorado e ensaiado aquele momento diversas vezes, e como um ator nervoso pela estréia do seu primeiro espetáculo, naquele instante ao abrir as cortinas esqueceu tudo, tudo aquilo que realmente ele não queria dizer, aliás, tudo que ele queria era ficar em silêncio, e ficou. A fila caminhava e ela chegava ao caixa, ele continuou ali no seu oi infinito, ela pegou a sacola e saiu da fila a caminho da saída, antes disso mais uma palavra, que não foi um “Até logo” ou um “Até um dia” mais um “adeus” frio e sem sentimento que o puxou do abismo escuro em que ele estava inserido até o momento, ao retornar a realidade, ele também disse adeus, e assim os dois saíram em direção as suas casas seguras e solitárias.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sentidos (in público)

A barba
A cara
O gosto rítmico.
A rua
O beijo
O cheiro tácito.
A noite
O vinho
O gole líquido.
O ventre
As mãos
O olhar clássico.
A tez
A tese
O tesão.
Impudico
Impudica
In público.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

As crianças não são felizes.


Mas eu não poderia ser de outra forma. Se eu não fosse assim do jeito que sou não teria tido as experiências que tive, que talvez pudessem ser melhores, mas eu não veria o mundo do jeito que vejo e gosto de ver, as vezes. Eu preciso me acostumar a ser quem eu sou, e isso não seria conformismo, seria aprender a lidar comigo mesmo. É a primeira coisa que precisaríamos aprender: lidar consigo perante o mundo. Antes de aprender a andar, antes de dizer as primeiras palavras precisaríamos perceber quem somos e nos aceitar, aceitar os nossos ditos defeitos e as nossas ditas qualidades e colocá-las da melhor forma neste mundo que não aceita todas as personalidades. Talvez assim fosse tudo mais fácil, mas não é assim que as coisas acontecem. Quando você nasce já te ensinam que o que você faz certo ou errado tem um preço, se antes você sentia o mundo da forma mais intensa possível, experimentando tudo que quisesse experimentar, colocando tudo na boca para sentir o gosto, pegando e cheirando, hoje você sabe que existem limites, e esses limites foram impostos pelo mesmo tipo de pessoas que te davam uma palmada quando você colocava algo que não podia na boca quando pequeno. Não é porque agora que você é adulto vai perceber que quando criança era realmente feliz, as crianças não são felizes. É na infância que tudo começa, tudo que era permitido, tudo que te impressionou desde que você saiu da barriga da sua mãe, começa a se mostrar feio, perigoso e proibido, quando somos crianças tudo é novo, interessante e experimentável, somos mais sensíveis porque não temos ainda nada formado, nada imposto dentro de nossas cabeças, e choramos por tudo, tudo que nos é tirado, por tudo que não podemos fazer. Nossos sentimentos são brutos, a expressão deles também. É como se o mundo fosse acabar se aquele brinquedo fosse quebrado. A infância é o momento em que começamos a perceber que esse mundo não é o que parece, não é belo como tínhamos visto, nem tão possível quanto parecia ser. É na infância que temos as primeiras decepções logo depois das nossas primeiras grandes descobertas. E assim elas continuam até a adolescência e pode durar até a fase adulta, só que quando somos adultos tudo é mais aceitável, já estamos calejados, a recuperação é mais fácil, pelo menos não choramos por algum objeto que se quebrou, claro que há algumas pessoas que mesmo adultas ainda sofrem como crianças, talvez pessoas muito sensíveis que não descobriram que nesse mundo as coisas são descartáveis, ou pessoas que tiveram uma educação menos frustrante. Mas mesmo para tais pessoas o baque de se perder algo, seja um brinquedo, um emprego, uma pessoa que você goste, um sonho, ou qualquer outra coisa que se perca, não é tão grande como quando se é criança. Quando se é criança as decepções são mais doloridas, pois é a primeira vez que você vai sentir tal sentimento, seja dor ou alegria, é a primeira vez que vão te proibir, e quando você crescer já não vai poder desobedecer como antes, nem chorar como antes, te ensinam a ser forte, essa é a lei, mas isso não é força, é submissão. As crianças não são felizes, não é possível ser feliz quando tudo começa a te decepcionar, quando o sonho vira realidade, quando tudo te frustra, quando tudo dói. Mas aí vem a pergunta: se as crianças não são felizes os adultos são? Eu respondo com a pretensão de um adulto: os adultos são conformados.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Na chuva pra se molhar...


Dessa vez eu quis me molhar
tava cansada de sol.
Queria uma chuva densa, porém calma
para me molhar
me encharcar.
Quis o perigo porque a segurança é monótona.
Fugi de casa.
Me escondi entre pernas, mãos, olhos, pintas e cabelos.
Desliguei o cérebro,
Porque a razão atrapalha.
Eu queria sair,
andar de mãos dadas na escuridão,
com a escuridão me iluminando, me guiando.
Mas quando eu ia me perdendo,
alguém me achou
Disse para eu sair da chuva senão eu ia me molhar.
Mas eu quero ficar mais um pouco
e convido você a vir comigo.
Dessa vez eu juro:
É seguro
Vamos passear de guarda-chuva?!

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Fúria.

Eu preciso de algumas palavras para escrever um texto que fale sobre o que eu não sinto. Já cansei de me expor. O que coloco aqui era para ser falso, mentiras bem escritas sobre situações mentirosas, pessoas inexistentes, momentos imaginados, dias que não existiram e sonhos inventados. Eu precisaria de um pouco de tempo, talento, criatividade. Talvez isso que escrevo fosse mais comentado, mais honrado, mais valorizado como algo realmente importante, que servisse de inspiração para que você também escrevesse. Mas o que escrevo não tem valor. Só serve para passar o tempo de alguns, arrumar confusões, criar dúvidas, e alimentar sentimentos que, de tão inúteis se acabam em poucas conversas mal-entendidas. Eu devia jogar fora o que escrevi naquele meu caderninho que escondo bem escondido para minha mãe não descobrir meus segredos, queimar no quintal os montes de papéis que guardo para um dia ser mais nostálgica do que sou hoje. Porque escrever sobre o dia de ontem, de hoje, e o anseio de amanhã? Porque escrever sobre o tempo, as cores, o tédio, o vento, os beijos, sentimentos, sonhos, ilusões, rotina e traços de pessoas? Para quê guardar tudo com medo de mostrar para alguém com a intenção de que outro alguém um dia leia e ache interessante o que você viveu? Que mania idiota é essa? Para quê tornar um dia aparentemente normal em que você conhece uma pessoa aparentemente normal em poesia? Para que seja importante? Eu confesso, que nem tudo aqui é verdadeiro, e que muitas vezes aumentei mais do que devia os fatos, e que muitas vezes escrevi o que sonhava que tivesse acontecido como se tivesse acontecido, e que em outras vezes eu usei tais textos para demonstrar sentimentos que nunca senti, só para impressionar, para me impressionar também, e para também tornar importante um dia que talvez eu um dia ache o pior dia da minha vida. Já fui piegas demais, brega, já riram de mim, já me elogiaram, já fui moderna, metida, talentosa, me passei por romântica e mais cética do que sou. Tudo por causa de algumas linhas com palavras mal usadas. Eu nunca escrevi bem, até eu reconheço, talvez o fato de conhecer algumas palavras, de saber combiná-las com outras, torne os meus textos agradáveis, enfim realmente fico feliz quando alguém se toca com algum deles. Eu muitas vezes releio e acho péssimo, já alguns gosto muito, e outros nunca quero mostrar para ninguém porque realmente seria muita exposição. Mas a vaidade é grande, e mesmo escrevendo coisinhas tão bobas, no qual dou o nome com a mais burra pretensão de Pequena Epifania, eu faço desse “passatempo” importante para mim, como se assim minha vida fosse também importante, e o valor desses textinhos realmente só existe para mim, mesmo que seja um valor pretensioso e vaidoso. Mas eu não queria escrever sobre mim, sobre o que acontece comigo, não queria me expor, me expor ao ridículo de tudo isso. Queria que soasse mais falso do que realmente é, do que realmente sou, menos piegas do que sou, menos pretensioso do que desejo. Queria que não tivesse valor para mim, mas para os outros, queria que não fosse sobre as coisas que sinto, pois o que sinto nem mesmo sei traduzir. Eu não queria me expor. Eu queria poder inventar, viajar em grandes situações e personagens inventados, para que não doesse às vezes, para que não me tornasse tão ridícula, para que eu não fosse nostálgica, para que nada tivesse importância, para que os sofrimentos passassem sem marcas, para não me lembrar do que não quero. Mas o que fazer se a vontade de escrever é maior, se é uma mania, se é algo brotando, pedindo para sair, um aborto, um vômito, um botão de flor? O que fazer se quero guardar tudo, tudo dessa minha vidinha medíocre, expor essa minha vida para que não seja tão medíocre, para eu não ser tão medíocre. Guardar os momentos realmente bons e intensamente vividos porque se foram escritos é porque foram intensamente vividos. Se eu tivesse ao menos uma caixa para guardar todos esses momentos bons, e os ruins também para aprender, eu guardaria tudo e tiraria quando eu quisesse, para não precisar escrever, para não precisar ter dedos mais velozes que as minhas idéias, para não cansar a minha vista, nem a paciência dos outros, para você nem eu ter que ler textos enormes como este, para não perder meu tempo.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Sobre o sonho e a realidade.

Semana passada eu tinha dormido, hoje acordei. O sonho que sonhei era lindo, com cinema, flores, sorvete, beijos, chuva, promessas e todas aquelas pieguices que muitos conhecem quando estão encantados. Mas a realidade sempre interrompe. E para quem acha que sabe amar ela é normal, já os apaixonados fazem de tudo para torná-la bela e inesquecível, os que sofrem ou gostam de sofrer fazem dela inspiração para sua dor, já os fracos concordam que a realidade é cruel e atrapalha qualquer sonho, e os ditos fortes procuram vive-la em toda a sua essência sem buscar sonhos e outras fantasias. O problema é que a realidade acostuma, tira a venda dos olhos dia após dia, devagarzinho. E todos têm a mesma impressão monótona de sempre. Com os mesmos sonhos de novo. Sonhos de voltar a dormir e nunca mais acordar. Eu já dormi profundo, quase um coma, com pesadelos que não queriam cessar, já tive sonos leves como o da semana passada, mas pior mesmo é ter insônia. Agora estou acordada e pronta para dormir e sonhar de novo. Dessa vez o sono dos justos, sonhando com anjos e trombetas e nuvens de algodão doce.

domingo, 20 de julho de 2008

Mulher sem razão

Julho. Inverno. Dia frio, com pouca alegria, mas nenhuma tristeza. As paisagens na janela do ônibus imitam a vida: monótona e veloz. Pela manhã escuto as ondas e me pergunto: o amor existe? Acordo cedo, o sol não conseguiu me queimar hoje. Hora de voltar para casa, a pequena grande cidade, de novo. A casa está a mesma, poeira, poeira, as pessoas também, as mesmas. Limpo os livros, guardo as tralhas e revivo os dias anteriores, ao telefone, que saudades de falar! Conselhos... ”você precisa aprender a ser que nem eles”. Fome. Preciso de ar, de tudo arrumado como eu gosto, preciso de comida, amigos, livros, música, cinema, saúde, boa conversa, paz, internet, meu gato, uma câmera digital, diversão, dinheiro, vagabundagem, drogas, sexo, amor, chocolate, café com leite, e de você por enquanto... Por enquanto... Até que mais um apareça. Até que mais coisas apareçam. Necessidade. Tem uma música que não sai da minha cabeça. Meu quarto, minhas roupas estão sujas. Meu ouvido dói de escutar. Falta de paciência. Nem sempre as pessoas mudam. Felizmente ou infelizmente? Não senti saudades de coisas ruins. O gato se espreguiça no sofá, qual será seu nome mesmo? Vida boa. Mais frio. Dormir na minha cama hoje. Finalmente. O bolo da vovó. Que vidro enorme de azeite! Como estão cozinhando sem cozinha? A casa está realmente um caos, mas continua a mesma. Eu assisto TV, mas não presto atenção, posso parar de pensar desse jeito, penso. Uma espécie de meditação. Em que lugar estava? O que vou fazer amanhã? A viagem foi boa? Devo ligar? Mais rotina. Quero café, só tem coca. Desligo o celular, não devia ter ligado. Seria o amor um estado de dependência? Mais um texto. Esse computador é uma lesma. Mais conselhos... “você precisa ser mais racional”. Seria eu uma “Mulher sem razão”? Risos. E ela (a música) não me sai da cabeça... “saia desta vida de migalhas...” Cantarolando.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Uma noite, uma pessoa, uma semana. Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.

Mais um dia comum em que se esbarra no tempo a mesma monotonia que há às vezes ou quase sempre em viver, mesmo que para alguns a vida seja sempre deliciosamente atraente ou irresistivelmente vivida com pressa com a intenção de se ter sempre alegria. O estado das coisas parece estar tranqüilo, no mesmo dia se encontra alguém para conversar, alguém que talvez você nunca tenha visto na vida, mas que você passe horas a conversar com a intimidade de anos. É meio assombroso às vezes encontrar alguém assim do nada, em que se perceba uma empatia, rápida e fácil, mesmo com meu ceticismo, ainda acredito em certas energias, talvez seja algo divino mesmo, algo como uma epifania. Dentre as diversas sardas dessa tal pessoa eu percebi um conforto e uma doçura quase impossível e que em muitas vezes me desconfiava, pois meu coração tão magoado por boas intenções às vezes desconfia, mas é rápido, pois logo estou prestes a estar de braços abertos a próxima pessoa a entrar na minha vida. Seria confiança demais? Pensei. Seria demonstrar algo que não existia até então para a tal pessoa ao aceitar seu convite? Enfim, com toda pressa em viver que cultivava e cultivo neste momento de minha vida aceitei o convite da tal pessoa e fui a sua casa, não me parecia recusável, um belo par de olhos castanhos que só ganhariam importância bem depois. Talvez nos conhecêssemos há muito tempo pensei, talvez de vidas passadas, eu não acredito nessas coisas, mas sei que tal pessoa possa ter pensado o mesmo, em certos momentos quis tanto ultrapassar a barreira do medo, quis tanto tocar as suas mãos e dizer que eram lindas, quis tanto responder aos seus olhares e seus pensamentos que fui fria, e tanto assunto, que não paramos de conversar por pouco mais de quatro e ininterruptas horas, que não foram enfadonhas, e que nos fizeram preparar o ritual que precisávamos para enfim nos beijarmos em frente a sua casa, nos batentinhos como duas crianças dando o seu primeiro beijo, com pessoas a passar pelo outro lado da rua e que não nos importavam. Naquele momento nada me importava, o seu cheiro, o seu gosto, e as suas lindas mãos sim. Suas mãos, que lindas, doces e sensíveis, que enfim pude tocá-las. Seu cheiro durou em mim por horas e antes que ele passasse a tal pessoa me fez entender que não poderia ser só esse dia, logo estaríamos mais uma vez dividindo olhares, conversas, copos, impressões, gostos, abraços e sensações. Não era para ser tão rápido, não precisaria, as nossas horas de conversas e os nossos encontros nos outros dias denunciavam que não seria rápido e fácil nos separarmos como foi rápido e fácil o nosso encontro. Dessa vez não ia encontrar uma pessoa numa noite e nunca mais vê-la e nem ter vontade de vê-la, dessa vez eu sabia que iria vê-la e quis, e não poderia ser de outra forma. Muitas vezes imaginei um dos contos de Caio Fernando Abreu, “nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa”, nada de mal me aconteceu. Tão simples tal pessoa, sua beleza, sua forma de se vestir, de ser, tão diferente da forma que imaginei, talvez tudo que desejamos nem sempre venha, porque o que realmente queremos acontece da forma mais contrária possível, já dizia o Cazuza “o amor na prática é sempre ao contrário...” Mais contrário do que encontrei? Acho que não imaginaria, nenhum medo se pôs acima do que sentia, e nenhum medo me impediu de sentir, coisas arranjadas, coisas inesperadas, ao sair de casa tal pessoa disse que encontraria alguém, quando sai de casa naquele dia não pensei em nada, é tão bom quando não se pensa em nada, quando as coisas acontecem, parece mais verdadeiro o acaso. Parecia cinema, imagina eu e você? Depois de alguns dias, algumas noites, e algumas madrugadas, um pouco mais que uma semana, alguns gestos, alguns silêncios, alguns medos, algumas loucuras, nenhum arrependimento. Agora a realidade torna, como sempre fria e impiedosa, e o tempo dá um pouco de medo, eu acordei esta manhã, e já não estava mais com a mesma liberdade, já não estava mais com a tal pessoa que encontrei em tal noite e que fiquei por uma semana, sonhando, vivendo e sentindo o que não sentia há tempos e que não imaginava sentir de novo agora. Hoje é mais um dia, inútil, monótono, precioso, infalível, em que não tenho pressa, apenas saudade, e vontade, de poder fazer de novo desses mesmos dias tão preciosos e cheios de vida como há alguns dias atrás.




*o conto de Caio Fernando Abreu a que me refiro, é o conto: Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.

Apenas mais um pouco de Tempo...

Às vezes penso no silêncio. Penso em tardes que não existem mais, conversas nunca mais conversadas, beijos nunca mais trocados, pessoas que nunca mais verei, gente que passa, sentimentos que passam. Só a lembrança fica, a memória é imortal. Mas que sou eu? Uma velha a pensar no passado? Paro e só tenho vinte e poucos anos, ainda existe o hoje, e amanhã também virá, mas sempre será hoje, o ontem passou, e só deixou a lembrança dele, o que revela que não podemos mais fazer nada quanto ao que aconteceu, apenas lembrar, o que não quer dizer que tenha que se viver de lembranças, pois se o passado não é continuo, o presente dura, e é dele que devemos lembrar. Mas o verbo lembrar não combina com presente, foi feito para usar com o passado, o presente não se lembra, o presente se vive. Quero ser eu como um verbo Gerúndio, continuo, durativo, indefinível de tempo, sem pressa, processo que não se acaba, transforma, vive. Sem relógios, sem bússolas, sem rumo, sem direções. O presente a rolar como uma pedra no despenhadeiro, como um fluxo. No fim serei eu como sempre, e como nunca fui, pois o que já fui e não sou mais é passado, e o que sou é o que se ver hoje, e o que serei não se define. Transformação. E não modismo. Quero me transformar para algo melhor do que sou, quero descobrir para poder me transformar, assim serei em mim uma eterna descoberta, e para você talvez eu seja também, basta apenas me conhecer, hoje.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Abraço

braço

aço.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Presente

Eu agora não tenho rumo, vivo caminhando entre mim mesma.
Fortes lábios, doces lábios, quero todos.
Quero caricias profundas com a maior delicadeza e depois um adeus triste, sem volta, sem repetição, para que o amanhã não seja sempre, nem infinito, nem rotina. Para que dure, sem precisar estar pela vida inteira.
No final, um tango argentino, no começo, uma música romântica.
Dê-me teu amor, dê-me.
Sem precisar dizer eu te amo, sem precisar ser para sempre.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Só mais uma poesia

É algo que não consigo,
voz presa
coração calado.
Meu medo é vulgar.
Sofro tanto por tão pouco,
quero tanto e não amo nada,
falo tanto e ninguém me escuta.
Grito.
De todas as pessoas que chamei de egoísta eu sou a mais.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O mendigo e uma tal felicidade.

Da casa para o ponto de ônibus não era tão longe, o sol tinha lhe queimado as faces de um vermelho que ela não gostava, era quase meio dia e ele o sol ainda estava calmo. Tinha dado só um trago para relaxar, mas esse trago tinha lhe feito pensar que da casa ao ponto de ônibus o tempo de percurso era o bastante para lhe fazer pensar demais. Tinha se pego parada olhando para um mendigo que pedia esmola sem muita vontade, estava apenas olhando para ele fixa sem pensar em nada, não havia o que pensar, mas a imagem feia e relaxada do mendigo lhe chamou atenção. Percebeu que as pessoas andavam apressadas não porque estavam ansiosas para um longo dia de trabalho, mas porque era a rotina e se atrasar seria um crédito a menos com o chefe, e um motivo a mais para a perca do emprego. Estava tudo correndo normalmente, era comum a pressa, mas o mendigo não tinha pressa, nem coragem para se levantar e correr como os outros e dormia de lado do chapéu surrado que já continha algumas moedas. De repente um pensamento desses sem importância lhe tomou, quem era mais feliz, o mendigo ou as pessoas que correm apressadas em busca de sustento? Qualquer um diria que as pessoas que mesmo apressadas ainda vivem melhor que o mendigo, com casa e comida. O mendigo não tinha nada, vivia na rua, não votava, não tinha família, dormia com qualquer uma que podia estar ou não na mesma situação, não trabalhava, e o dinheiro que ganhava por dia servia para comer, salvo as roupas que lhe davam e o cobertor que ganhara na campanha do natal passado, a noite iria dormir debaixo do viaduto com os outros miseráveis e se tivesse sorte em um abrigo às vezes lhe aceitavam e lhe davam banho. Mas naquele ponto de ônibus ela pensou que não, o mendigo era mais feliz, talvez ele já tenha tido família, pensou, casa, roupas limpas e até um carro, talvez o cachorro que lhe lambia de vez em quando fosse o mesmo de antes, da sua família. Pensou que poderia perguntar isso a ele, e se ele era feliz. E porque não seria? E porque achou que ele era mais feliz do que as outras pessoas que entravam nos ônibus apressadas para o emprego que nunca sonharam? Pensou que ele seria mais feliz, por não ter que sair de casa cedo para ir pro trabalho, que não era o de astronauta que sonhara quando criança, mas o de motorista cansado das outras pessoas também cansadas, porque não dormia com um homem ou com uma mulher que tinha se casado por pura convenção de uma sociedade que exige um casamento, porque não tinha filhos e porque não tinha que jogar na cara deles que os tinha e agora tinha que os sustentar, jogando neles todas as suas frustrações. Talvez o mendigo não fosse mais feliz por isso, talvez a dona de casa atrasada levando as crianças para o colégio gostasse da sua vida, mas era uma coisa tão automática, percebeu que nem o mendigo era livre, que mesmo que não tivesse responsabilidades, a não ser a de conseguir comida, sua vida tinha tanta rotina quantas as outras, e tão sem por que. Que qualidade de vida é essa que inventa controles remotos e comidas enlatadas, tudo para ser rápido e prático, qualquer dia o pôr-do-sol vai vim numa dessas latinhas, é só abrir e colorir a casa com vermelho e laranja. Para quê tanta pressa a caminho do mesmo fim, a morte. O mendigo não seria mais feliz por não ter que pagar IPTU, talvez ser mendigo fosse sua opção, teria desistido de vencer na vida. Teria desistido de andar apressado em busca do mesmo tédio de sempre, e em troca escolheu um tédio que não lhe causava esforço, mas que lhe custava caro, muito caro. Se ele preferia uma casa e um trabalho? Talvez não. Muitos preferem a “vida fácil” de pedir esmolas na rua. Vai trabalhar vagabundo dizia alguns que passavam, e o mendigo lhes sorria, tão vagabundo seria qualquer um que desistisse de trabalhar, talvez algumas pessoas tenham até inveja dele, sem patrão para reclamar, sempre uma nova aventura todo dia, e uma cachaça no final da noite para dormir tranqüilo no banco da praça, não era mesmo uma vida de se invejar, mas também não era de se invejar a vida automática das pessoas que passavam apressadas, tão decididas a marchar para o mesmo nada, nem sequer reparam no mendigo na rua, é um vagabundo qualquer pedindo esmolas, um nada, um Zé ninguém, um lixo, um pedaço de carne no chão que muitos esbarravam. Nem mesmo o mendigo, nem mesmo as pessoas apressadas com suas vidas enlatadas, nem mesmo o cara do carrão que jogara uma moeda para o mendigo, eram felizes, todos caminhavam para o mesmo nada. Mas o mendigo era a escória, o avesso, era o que ninguém queria ser e ao mesmo tempo o que teve coragem ou não para estar onde estar, e era ele que continuava nas esquinas importunando as outras pessoas com um chapéu a pedir esmolas, querendo que lhe banquem, o resto da sociedade que ninguém tomou conta, o peso nas costas das outras pessoas que lhe viam e que não sabiam se devia dar ou não esmolas, o peso na consciência dessas pessoas, o medo de serem como ele, ou melhor, de terminarem como ele, o mendigo não tinha vergonha, era falso, livre, era a vida que lhe ensinou que as pessoas lhe ajudavam por obrigação sob a luz de uma lei divina qualquer, e que lhe odiavam, lhe repugnavam. O mendigo não era nada e sua vida era tão sem sentido como as outras, mas ele vivia como um animal, comendo e dormindo, fazendo o que o instinto lhe pedia, e os outros viviam como “pessoas”, “gente”, indo pro trabalho e dormindo sempre na mesma hora, ambas as vidas sem grandes felicidades, talvez as “pessoas” se sentiam mais felizes por comerem aquela comida deliciosa desejada, coisa que o mendigo invejava, pois só comia o que lhe davam.
Era um dia qualquer e o ônibus tinha chegado dessa vez mais cedo, ela entrou no ônibus e se esqueceu rapidamente do mendigo, das pessoas, e da felicidade. Na rua o mendigo voltava a dormir, o mesmo sono vagabundo.