segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Amor bom também tem que doer...

Quando você me deixou ainda era cedo, ainda não sabia que você também se magoava. Era manhã e ainda não era verão, o sol brilhava e eu não quis vê-lo brilhar mais forte nos seus olhos, sem querer escolhi estar só, e fiquei por um mês. Foi a primeira vez que você me deixou errar, e a primeira vez que quis ir embora. Eu busquei entre noites, telefones, copos e cigarros, teu cheiro, teu olhar e tua voz, mas você cumpriu a promessa e não quis me ver. Foi assim durante dias, dias que me fizeram pensar quem era eu, quem era você, quem eu amava, por quem você sofria, e porque o amor tinha que vir sempre acompanhado do ódio. O que era forte inabalável como aço virou vidro e se quebrou como todos os outros amores perdidos nessa cidade, e nós, nos cortamos. Sangrei, e você se lavou e se sujou com meu sangue, que depois de estancado pode correr de novo pelas veias apaixonadas de nossos corações confusos que ainda batiam, mas num ritmo lento. Depois de estar ao seu lado de novo e de se comportar como uma dessas mulheres de Chico que se sacrificam e jogam fora todo seu orgulho por amor, eu quis ser de novo sua e perfeita, mas você como homem que é, e diz ser, não quis, preferiu vestir de novo o personagem do cara que maltrata, o cara que nem sequer chegava perto do cara que antes lutava comigo pela nossa liberdade. Talvez por falta de amor, e talvez ainda porque eu ainda não consegui entender direito que o amor também acaba, e que o seu é passado e o meu presente, imperfeito. E mesmo que um amigo me dissesse que eu teria que entender que tudo tem seu começo, meio e fim, eu continuei a esperar. E esperei, como quem pega um ônibus errado e desce num lugar estranho, esperei o milagre que nunca acontecia, e que nunca poderia acontecer. Deixo de ser cristã. Deus realmente não existe. Escutei tantos pagãos que me disseram isso e eu não quis acreditar, mas agora paro e penso e não rezo mais por ti, mas infelizmente ainda há um resquício dessa minha antiga crença, que me faz ainda olhar pro céu e ter esperança, olhar pro telefone e ter esperança, só que agora não vou mais em busca de ser eu mesma a protagonista da história, aquela que é maltratada pelo vilão. Agora não quero mais estar em história nenhuma e em jogo algum. Você acredita estar me manipulando como um pastor guiando um rebanho, mas eu agora sou a ovelha desgarrada. Eu agora não quero mais esperar, nem você, nem o amor e nem outra pessoa.
Como diz o poeta “que seja infinito enquanto dure”, e foi, assim como o que deve durar somos nós, e sou eu. Quanto ao sentimento, este se perde pelo o erro ou orgulho de alguém ou de todos. Você me deu um tempo muito largo que me deu tempo para pensar que eu ainda estou viva, e que não posso esperar como uma velha senhora que espera uma carta que nunca chega porque foi extraviada. É assim, e tudo de bom se foi assim como tudo de ruim também irá, se perdem as esperanças e se perdem as antigas crenças, tudo isso porque também se aprende que “amor bom também tem que doer”.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

No quarto

Os lençóis são mudos
e os temas tristes.
O coração dispara.
Teus dentes me apavoram
prefiro a nós,
mas queres outros,
egoísmo
ciúme
paixão.
O tempo parece curto
tomemos um vinho
talvez nos encontremos.
Escuto uma canção
desejo um cigarro.
Busco-me nos meus pensamentos
tento decifrar os teus,
é teu olhar que não diz tudo
e seu sorriso é irônico
corta.
Mas quero tua língua
desejo que desejes
quero se quiseres
prefiro se preferir,
mas que seja eu
senão me esqueço,
volto a música,
aos pensamentos,
e compro um cigarro.

domingo, 21 de outubro de 2007

O livro da estante

O bom e velho livro na estante estava esquecido há tempos, ele percebeu a poeira tocando na capa, uma poeira sombria que ele afastava com um sopro de ar que levava as partículas para os outros livros no chão, estava de mudança, chegara na nova casa à noite e estranhara os objetos deixados pelo antigo morador, quadros, livros, uma poltrona, uma velha chaleira, estranhamente tudo que precisava naquela noite depois de arrumar os seus pertences e dar lugar aos seus livros na nova velha estante, estava cansado e não terminara de organizar tudo, nem tinha trazido tudo, mas a poltrona ainda nova estava lá quase que a sua espera. Respirou fundo e percebeu o silêncio do novo endereço um silêncio que jamais havia escutado, um silêncio que restava naquele lugar cheio de passado, onde só conseguia escutar seus pensamentos, teria sido melhor mesmo mudar de lugar, fugir da incompreensão da cidade? Neste instante percebera que ficaria louco se continuasse ali, mas foi só por um momento, só porque estava só, e a solidão assusta.
O café quase que derramava na chaleira, vago nos seus pensamentos acordou e correu para desligar o fogo, sentado na poltrona perto da janela sentia o vento bater nos pêlos da sua face e logo percebeu que já estava se acostumando com o lugar, pegou no livro que havia sido deixado na casa e folheou as páginas, nunca havia lido aquele chamado Noites brancas, era a estória de um homem que se apaixona por uma mulher que apenas lhe deu um único beijo e que partira, mas mesmo assim ele se sente feliz, por ter um único momento de felicidade. Apropriado, pensava.
Tinha fugido, fugido não de uma cidade feia e suja, nem de um trabalho maçante, até gostava, tinha fugido de um amor não-correspondido, ela o havia deixado, ela descobrira que não o amava mais, e ele a amava profundamente, sofreu, mas deixou que ela seguisse o seu caminho, o que poderia fazer, de todos os males do mundo a falta de amor parece o pior, e pior para esquecer também pois em todos os lugares que você vai esse estranho sentimento assim chamado de amor está presente, basta ligar a tv ou o rádio, uma revista, um livro, e lá está ele, assim como estava no livro que encontrara. Tinha entrado em depressão e achou melhor se “isolar” por um tempo num lugar distante sem muitas pessoas, para refletir dizia. A noite era escura demais e a falta de luzes artificiais dava lugar ao brilho das estrelas, poderia se contar muitas, percebeu, vagou pela varanda e mais uma vez se notou só, será que essa solidão seria o melhor jeito de esquecê-la? Pensou. Mais uma vez estava pensando nela, nos poucos carinhos que ainda conseguiu ter antes que ela fosse embora, mais uma vez pensava, e pensava que seria ainda muitas noites e muitos dias pensando. Não conseguia desviar dos pensamentos, um certo amigo lhe disse para não fugir e aceitar tudo que acontecesse, era a melhor forma, mas a melhor forma que achou foi fugir, desde criança sempre fugira de todos os seus medos, desde o menino valentão do ginásio até o chefe do trabalho, desde os sermões do pai até o sofrimento da perda de sua mãe. Mas naquele instante percebeu que não adiantava, o amor que sentia era inacabado, ou tentava tê-la mais uma vez ou aceitava conviver com ela mas sem ela. Tinha funcionado, tinha fugido para aquela casa para refletir e em menos de uma noite estando lá já havia refletido tudo, precisava voltar, seria difícil, mas dessa vez era uma questão de honra não fugir, voltar...voltar...voltar.... O café respingou na sua blusa e antes que fosse procurar outra para vestir, fechou a mala e decidiu voltar no mesmo instante, pegou os livros da instante e colocou tudo de volta na caixa retornando tudo ao carro, antes de ir olhou a casa que lhe afeiçoara no pouco instante em que estivera, olhou para tudo e viu o livro que havia sido encontrado quando chegou na casa, foi à estante e o pegou, era o que precisava, talvez fosse a próxima companhia nas noites que viriam solitárias, talvez aprendesse com o personagem a se conformar, a aceitar que o seu amor era inacabado, a aceitar que o dela diferente do dele tinha acabado, a aceitar que não conseguia esquecê-la mas que um dia tudo ia passar e o que ia ficar era lembrança de um momento de felicidade, assim como o personagem do livro.

sábado, 13 de outubro de 2007

Pretensão

Te quero simples
nu, explicito
barba, ombros, cabelo.
Te quero homem
romântico
tímido e extrovertido
piegas e verdadeiro.
Te quero usar
te guardar
menino, homem, animal.
Te quero livre
sem exageros
vaidoso e pretensioso
poético e preguiçoso.
Te quero macho
sexo
cigarros, costas, falo.
Te quero meu
vícios, segredos, decepções.
Te quero sempre.
Com tua face em meu peito
teu coração a transbordar.
Te quero
quando quiser.

domingo, 23 de setembro de 2007

Antes de chegar a idade...

Eu era feliz quando ouvia músicas a tarde encostada na mesma parede da sala bem perto da caixa de som da direita, sonhando em um dia ser como as vozes das músicas, em ter as mesmas histórias, os mesmos amores, vários amores, velhos amores, nenhum amor. Eu, triste chegando em casa, pegando o velho disco da Janis, mas feliz por escutar aquela voz rasgada e única, e feliz em saber que de todos os meus colegas de escola eu era a única que a conhecia, o velho disco da Janis de capa rosa, disco duplo, mas onde um disco não era par do outro, ouvia o lado mais agitado, depois me encostava perto da caixa e escutava baixinho A woman left lonely, e depois mais alto Maybe, e até chorava e entendia tudo que o inglês de Litle girl blue queria dizer.
Eu era feliz quando você dizia que me amava naquele parque e tudo passava rápido e devagar pela minha cabeça quando você pronunciava, aquele parque que já foi bonito e que nele antes só a gente existia. As cervejas, o bar, os bancos, as nossas conversas sobre cinema, amores, brigas, amigos, sinuca, poesia, e formas de dizer eu te amo, o café junto com teu cigarro, os olhares, as músicas que você compunha para mim, as poesias que eu escrevia pra você com vergonha de mostrar, nós, e o resto do mundo. Aquelas tardes em que eu tinha que voltar antes do pôr do sol, chegar em casa deitar na cama e sorrir de alegria no puro êxtase de se estar apaixonado, na pura contemplação dos teus olhos escuros, brilhando na luz do refletor, as árvores verdes que se agitavam com o vento, os carros passando velozes, só havia nós dois ali, e eu me sentia feliz, eu escutava as melodias no meu quarto sozinha a noite e me lembrava do dia, eu fazia das canções da Joni as minhas composições, até as letras tristes e as dramáticas eram sobre mim, e com a primeira canção do disco eu me lembrava de você.
Eu era feliz junto dela, minha amiga, minha melhor amiga, nossas conversas durante a aula, nossas conversas sobre a aula, nossas conversas no dia anterior, nossos segredos revelados uma para outra, o desenho que roubei dela e que tenho até hoje, nossas quase brigas. Os filmes que assistíamos junto com meu irmão, das noites que saiamos, das tardes bebendo vinho no meu quarto, dos livros que líamos, dos shows com nossos amigos, me lembro que ela me fez gostar de Tom Zé, e nós descobrimos juntas Belchior. Lembro-me também como nos conhecemos na faculdade e como parecia que nos conhecíamos há muito tempo, e se eu acreditasse em vidas passadas, diríamos que éramos irmãs, minha amiga de juventude, me lembro de que como tinha medo que ela fosse embora.
Eu, eu era feliz, e hoje lembrando de tudo isso, não me sinto triste, nem nostálgica. O meu olhar hoje não é o mesmo olhar juvenil de antes, existem rugas ao seu redor, rugas do tempo, hoje não sei mais por onde anda minha velha amiga, nem sei se ainda vive, o meu amor, meu primeiro, só me restou as cartas e a foto, além das melodias que ainda trago comigo, minhas canções ainda existem, ainda são as mesmas, ainda escuto, ainda canto, mas minha voz não tem mais força, minhas mãos só escrevem agora memórias, meus cabelos não têm mais o mesmo brilho de antes nem a mesma cor, ficou sem cor, não uso mais jeans nem tênis, meus netos riem quando falo com as velhas gírias que usava no meu tempo, tempo em que eu lutava por amor e liberdade no meio do trânsito, parando os carros com as minhas bandeiras e meus amigos. Tempo em que pensava no futuro, mas não vivia o presente para ele, tinha medo do futuro porque não cuidava em me preparar para ele, apenas vivia como todos os jovens, minha mãe falava para nós: estudem, se formem e façam o que quiserem, mas nós queríamos apenas viver o que tinha de bom naquele momento, ler os livros que queríamos, falar o que quiséssemos, amar os amores mal resolvidos, nos divertir e chegar na hora errada. Era feliz aquele tempo, não sou triste mas não sou feliz como antes, e agora vejo que era feliz até nos momentos infelizes, porque eu estava vivendo. Agora, ainda vivo, mas não sei se por muito tempo, cheguei na idade em que a morte lhe avisa que vai chegar de qualquer jeito e não adianta fugir. Estou aqui, fazendo o meu tricô, talvez como toda velhinha da minha idade, balançando na minha cadeira, esperando meus netos chegarem e me abraçarem e me pedirem para contar aquela velha história de quando eu conheci o vovô, e o que me resta, é lembrar, lembrar que um dia, eu fui feliz.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007


Enquanto as imagens passavam finalmente pelas vidraças do ônibus eu senti que tudo estaria bem quando enfim repousasse em seus braços. Segurei o choro e pensei em parar de pensar. Queria lhe dizer tudo que passara e que me sufocara. Primeiro lhe encontrar, lhe abraçar, lhe sentir, sentir o gosto da sua boca, dos seus pêlos no meu rosto, seus cabelos leves passando pelas minhas mãos, encostar no teu peito e sentir o seu cheiro sem artificialidades.
Pensei nisso tudo e quando enfim cheguei ao nosso ponto de encontro meus olhos pularam em direção à sua imagem, que como sempre era calma e confortante. Desci do ônibus e ultrapassando os transeuntes que nos impedia de nos encontrarmos mais rápido, lhe abracei o mais profundo que podia até que minha alma se aconchegasse a sua, senti seu gosto, olhei nos seus olhos de alegria e me senti em paz. Estávamos juntos de novo. E tudo que se passara, se passara, como as imagens que passavam pelas vidraças do ônibus.
E enquanto passeávamos juntos abraçados sentindo nossa saudade se matar, contando tudo que tentava impedir nossa felicidade, senti que nada poderia nos atrapalhar, nem mesmo o final não visto do filme, nem mesmo minha impaciência, nem mesmo o gosto do choro na minha garganta, nem mesmo as outras pessoas que teimavam em ser infelizes.

domingo, 2 de setembro de 2007

Um gesto


Estava a pensar nos segredos que nos rodeiam, suspirei um pouco e afundei na visão da paisagem que olhava. Como quem devaneia, delira, dorme de olhos abertos, a visão embaça lentamente sob o objeto escolhido, até que os pensamentos tomam forma e imagem, e transformam a paisagem antes real em fantasia, o pensamento concretiza-se a frente. Mas por um vulto ao longe tudo que virou matéria se dissolve mais uma vez, e a realidade torna, estupefata. Os sons, as cores, as pessoas, o mundo. De volta, ao teu lado, os dedos, os teus, os meus, a difícil necessidade de te tocar, o profundo receio que impede. Ultrapassando a barreira entre o ir e não-ir consegui toca-los e confundi se o motivo de tal felicidade súbita era por seu sorriso ou pelo gesto. Como tão pequeno movimento entre duas mãos pode causar tanta felicidade? Como tal gesto consegue dizer mais do que palavras? Simplesmente os dedos passarem ligeiramente uns aos outros, não é preciso que os rostos se olhem, nem que se diga: posso? Apenas tocar.