sábado, 17 de outubro de 2009

Estranhamento

Puxou para o pulmão com uma força estranha, parecia puxar o último ar da Terra, o último suspiro vindo de um amor desesperado, e não havia solidão, estava tudo completamente se enchendo como os pulmões. Os olhos se abriram, as pupilas descobriram o mundo, junto com o olfato e a boca ainda inspirando a fumaça cálida e estúpida como um incenso de laranjeira aceso sob o nariz. Fechou os olhos com vontade de esquecer, a última mágoa, a última tragédia, a última solidão. Estava em paz. Seu corpo jazia feliz, assim ao mesmo tempo desesperado pela busca de um coração que batia aos pulos, e uma felicidade estranha que parecia uma morte que nunca saberia como seria, um gozo, uma poesia, um olhar calmo ao lado que pedia a mesma sensação. Entregou sua sensação como se fosse a mesma que sentia, como se fosse parte sua. Seria bom compartilhar. Assim tudo se acalmava, estavam os dois inertes, imóveis quanto aos problemas do mundo, que naquele instante não existia, e pouco importava se existisse. Algo flutuando no ar, algo que não poderia ser visto, nem compreendido. Se olharam e não tiveram medo do silêncio, se olharam e se esqueceram. Enquanto um se via o outro se olhava, e assim ambos se enxergavam e buscavam palavras, porque os seres humanos tentam compreender tudo. E ao perceberem que não havia resposta, procuraram não compreender, e acharam mais respostas do que se perguntassem. Quatro pupilas se olhando, abertas, amendoadas e silenciosas. Tiveram medo e olharam para o vazio temendo nunca existir verdade e temendo que este momento se acabasse voltaram a se ver, tentando compor com palavras alguma forma de preencher o incompreensível.
- Quando estou com você sinto algo estranho...
- Estranho é o que não se sabe explicar ou que é diferente de tudo que sentimos antes?
- Acho que é o que não se sabe explicar, mas não diferente de tudo... estranho é não saber lidar...
- Então esse “estranho” traz algo de irreconhecível, talvez pelo menos a principio... mas porquê compreender? Quando se reconhece se perde este estranhamento, e assim a atenção, a importância ou encantamento.
- Estranhamento... Em literatura usam este termo para dar nome ao processo pelo qual percebemos quando uma obra é literária, ou seja, quando ela difere da não - literária.
- Seria o que sentimos ao ler um poema, por exemplo?
- Sim. Achamos estranho quando lemos um poema, sentimos algo incompreensível, porque a literatura não é compreendida imediatamente como o texto não-literário, há este estranhamento, não entendemos de imediato a ideia, ou a mensagem que o texto quer passar. Entende?
- humm...Mais ou menos como o amor...
- A principio?
- Sim. O amor... é estranhamento.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Tantas palavras

Tantas palavras
Os olhos cansados de ver
E as mãos sem ter o que acariciar
Despede-se da noite como um namorado que não ama
São tantos goles a rondar por sua cabeça
E as palavras...
Embebedam-se com o silêncio
E dizem
Dizem em tantas línguas
Cansados os olhos mentem
Querem dormir, mas esperam
A resposta que nunca vem
E tão farto do silêncio das palavras
O poeta procura
E só acha
Mais palavras.

Segredo

Um olhar de calmo segredo.
Segredasse as minhas palavras
Agora a resposta é mera convenção
Crio o amor para viver melhor o tédio
E me entedio de tanto querer
E não ter.
Responde:
Existe resposta para as minhas palavras?!

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Guarda

E os poetas como sempre dizem
não param de falar,
e nada fazem com as coisas que dizem.
E ela ao encontrar a poesia, guarda
achou bonita só pela beleza
ou porquê alguém a fez para ela?
Dorme no silêncio
é um sonho feliz
ser amada
e não amar ninguém.

Donos do tempo

Ventania do tempo
Flutuam as fumaças dos cigarros
Caras amendrontadas pela solidão
O que é o tempo, senão um animal paralítico
Que se arrasta feroz
Em uma comovente tentativa de ser!
Deixa a natureza se manifestar...
Estão aqui!
Como jornal, poesia e vinho
Fazem desenhos nas paredes
E lembram dos momentos mais felizes
E o tempo ainda se arrasta paralítico
Param....
Pensam...
Inspiram-se
transpiram
Transcendem!
Brincam com as bocas roxas
Envoltas de fumaça
São donos do tempo!

B.H.A.R