sábado, 19 de dezembro de 2009

Uivo

Os cães podem latir a noite inteira
A velha canção que já me fez tão só
O meu vicio
Não tem risco
De ser curado
Vai e volta
Como um grande culpado
Uivando a noite inteira para lua
Desejando sempre um amor inesgotável
E é na novidade que procuro
Um brilho
Um olhar mal-amado
Assim como o meu
Triste e desassossegado
Bato a porta
Com as patas sujas
De um grande amor do passado.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sonho profundo

Sentiu o coração pulsar mais lento, eram batidas inertes, sem força, sem agitação. Não havia felicidade nem mesmo com a vitória do seu time. Era meia-noite e o relógio não andava, toda hora que olhava era a mesma hora, segundos feitos de fumaça, silêncio e tédio. Seu coração resumia o pulsar do relógio, tic, tac, tic, tac...Marcava a hora de tomar o remédio que o fazia mais vivo. Mas era um corpo podre andando e falando. Um cadáver vivo, um morto vivo. Assim que sentia sua velhice, uma lembrança de tudo, uma penitência pelo mal que causara e pelo mal que os outros lhe causaram. Ao deitar-se, lembrava-se da sua infância, assim se sentia feliz. Lembrava do seu coração fresco, agitado, correndo com as águas e forte como as árvores, seus pés macios sentindo a terra, os morangos silvestres, a cor dos olhos da amada, o beijo roubado por trás da casa. Límpido, livre, em queda livre. Fechava os olhos e abria os lábios. A felicidade vinha do passado, seu presente tranqüilo era um enorme precipício para a morte, com uma fila enorme, era forte ainda, diziam, não tinha previsão de sucumbir. Mas a morte já estava presente, dentro do baú de cartas antigas, nos porta-retratos, movéis, na criada companheira, e por último a encontrava no espelho, a sua frente, vestida de rugas, branco e lentidão. Provou da comida e o gosto era o mesmo, o mesmo cardápio, as mesmas manias, o que mudava era a maneira de tudo se movimentar, agora os movimentos caminhavam como o ponteiro que marca a hora do relógio, trinta anos atrás era o ponteiro que marcava o minuto, e assim antes fora os segundos, milésimos, e o principio do tempo. A pilha do relógio acabava a cada dia, e não era mais possível trocar, pois os ponteiros se arrastavam barulhentos de velhice. Logo seria mais uma cova catalogada numa certidão de óbito. Mas isso tudo já começava agora, já começava quando a sua pele não podia mais se esticar, a morte era um processo lento, e a velhice era a prova da deterioração, o espírito não mais valia. Tudo era corpo, um corpo velho se arrastando para um buraco cada vez mais turvo, e tanto fazia agora acreditar em Deus. Não. Fazia. Era mais fácil acreditar em Deus agora. Crer mas não acreditar, iludir a mente já que o depois é só incerteza, que importa ser ateu quando se está prestes do desconhecido? Toda a não-crença desaparecia, e o espírito antes com vigor, era mera incerteza. O corpo jazia. As lágrimas corriam pelo seu rosto e umedecia o que estava seco, o retrato, amarelado, antigo como ele, e os olhos da amada brilhantes como ainda são os dele, porque os olhos não perdem o brilho, mesmo circulados de veias cada vez mais carnosas e avermelhadas de sangue pálido. Um sonho. Agora já poderia julgar em que momento teria sido mais feliz, e este foi o mais breve e o mais eterno. A foto pintada de preto e branco pelas mãos do tempo, suas mãos trêmulas de lembrar, seus olhos diziam... Passado tão presente. Me perco, será que ainda ancoro meu barco neste rio? Os dias tem sido os mesmos relativos de sempre, e quando a encontro ainda sinto o frescor da sua conversa, a vontade de lhe ver, mesmo lhe achando a cada dia mais inútil para mim. Meus dias tem sido inúteis, cheios de imaginação e de uma realidade diferente da que desejo, por isso que sigo pela a porta aberta da minha imaginação que mostra passado. Passado. Cheio de alguma coisa sua que sobrou na minha mente, mas sua do que de outros, porque você foi o meu mais completo sonho. Sonho bom, sonho breve. Não me apego a nada, nem ninguém, me apego a mim, e eu sou o que não quero. Conversava com o tempo, era um ator, sem platéia, sem coadjuvantes, todos morriam. E ele ainda estava, vivo? Era mais ele, e ao mesmo tempo todos e tudo, tudo que era passado, e este tempo para ele era igual ao presente, pois ele era o próprio passado, o seu e para os outros também que lhe viam e viam o seu futuro e o passado antes deles. Nem mesmo poderia causar felicidade para os olhos dos outros, sentia-se pesado, e acordava percebendo que não tinha ninguém, conversava só. Sua amada tinha morrido, como assim também morrera seus quatro irmãos, seus país e seu filho prematuramente, já não sentia mais saudades e sim vontade misturada com a falsa esperança de revê-los em breve. Sonho completo... Agora pensava no futuro e na sua mente a imagem da amada, que por sorte tinha morrido jovem, antes do tempo. Lhe encontraria assim, linda e jovem e seria feliz. E se tudo isso não existir que importa? Prefiro sonhar, um sonho inútil e breve. Mais breve que a sua velhice que o ajudava a devanear, também tinha suas vantagens, não existia mais apego a nada, nem a ninguém, poderia ser egoísta sem se sentir culpado. Poderia ser eu, e o seu a queria, jovem e bela como antes a vira. Antes do tempo de morrer. Seus lábios se esticaram mais uma vez acordando a pele que sorria barulhenta de velhice, uma porta aberta para um sonho profundo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Impotência

Os sonhos voaram feito balões
Na plataforma concreta da razão
Teu amor ficou tão longe de ti
Que nem os transportes conseguiram superar
A distância
Nem mesmo os perversos inventos tecnológicos
Suprimiram o tremor da tua carne ao anoitecer
Nem mesmo as palavras
Nítidas e apaixonadas sob seus olhos
E os versos maculados de saudade
Acabaram por ser mera poesia romântica do século XIX
E ainda perguntaste se havia outro
E respondeste tua própria pergunta
Com os sonhos colocados sobre os cobertores
Dormiste de novo
Para nunca querer de novo acordar.