domingo, 23 de setembro de 2012

Para Paco

Não entendi bem nosso último encontro. Em meio a escuridão, aquela música de uma alegria estranha, minha embriaguez, seu olhar perdido, qual era mesmo a palavra que eu não escutei? Me afasto ou fico? Me sinto infantil ao perguntar, mas é que sempre detestei o silêncio, sempre detestei não compreender. Esses últimos dias, você e todos esses problemas na faculdade, só me fez compreender o quanto eu necessito compreender, e o quanto da vida não se pode e nem se deve compreender. Não eu não sou criança, sou adolescente, vivo em ritmo frenético, a vida me endoida, não sei esperar, não sei ter paciência, sou ansiosa, ariana, meu coração bate forte e quando ele bate forte assim eu sinto uma vontade imensa de me jogar junto com ele para fora de mim. Para talvez dentro de alguém. Pode ser você?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Lua

Trazia no lado esquerdo do corpo um caderno cheio de paixão, transformando as linhas retas em tortas aventuras juvenis. Me entregou este pedaço de vida para que eu cuidasse e o recebi como quem recebe um presente que não se sabe se vai usar. Um caderno cheio de palavras, que para mim poderiam ser apenas palavras. Na rua se foi embora, antes mesmo que eu lhe perguntasse por quê. Andei com o caderno no lado direito do corpo embriagado de tantas letras, nem sequer o li naquele mesmo instante, apenas o guardei debaixo do braço, como guardei os olhos da menina ofuscados pelos postes. Mas como ela o trazia do lado esquerdo do seu corpo, senti ao recebê-lo o calor extraído de milhares de minutos registrados em versos sem pretensão. Estava a ponto de conhecer o escuro que só se pode ser iluminado com as palavras, o escuro de uma menina que parecia ser tão clara. A menina que entrega o corpo querendo entregar o coração, deita com o menino que é muito menino para amar. A menina é uma mulher e eu sou quem se diz escritor, é a mim que ela confia para guardar o pedaço de vida escrito no seu diário. Tão simples e inútil para qualquer um, o esqueci jogado na cama, sem nenhuma simbologia. Ao abrir revi seus olhos, que teria eu haver com tudo isto? Com a menina, com o menino, com o diário, com sua vida? Que posse tenho? Que direito de invadir? Me senti sem escrúpulos, descobrindo o sentimento de suas histórias, me senti um leitor importuno, um pai que adentra nos segredos do filho. Em meio a copos e cigarros estava eu com um diário em punho, como se fosse o livro preferido andava com ele para todos os lugares, todos me perguntavam que livro era este que eu gostava tanto de ler, não respondia. O livro não era meu, não me pertencia, nem sequer tinha achado ou comprado. Ela deu seu coração a um rapaz e este o recebeu como se recebesse uma parte qualquer do seu corpo, com a mão em seu seio o apalpou e o acariciou com volúpia, mas o coração é um órgão que pulsa e pulsou forte dentro de sua mão que para ele não parecia mais que um mero músculo se contraindo. Depois do desejo resumido ambos se despediram na madrugada e ela pôs a escrever imagens fúteis de sonhos destruídos, não passou de uma cama, um gozo, uma noite, tão repetida em seu cérebro consumido pelos meros minutos vividos. Quis acabar com seu desejo com um ato, se atirou na cama em busca de sublimação, mas o ato se desfez em outros atos e o mero músculo que pulsava como os outros de seu corpo se fez mais fraco, mais nítido e mais inchado. O amor havia instalado o seu vírus dentro da carne vermelha do lado esquerdo do seu peito. O odiei profundamente depois de ler a história, quis procurá-lo na rua e tirar satisfações, quase liguei para seu telefone anotado na última página do diário, ia reclamar por ela. Mas logo depois me senti sem o direito, me senti de novo invadindo uma vida que nem sequer eu conhecia. Mas quem poderia obrigá-lo a lhe querer por mais noites? O lado oposto do amor desafiava cruelmente aqueles que ousavam lhe desafiar. Então me identifiquei com ele, me pus nas palavras frustradas dela e me senti ele. Vagando por aí noite afora, achando que poderia viver somente a desejar, amar e partir. No fundo eu sabia que ele também queria o mesmo aconchego que ela, mas não por ela. E por isso me senti triste. A história dela entrara profundamente em meus poros, de uma maneira que mesmo fechando o caderno eu não esquecia de seus personagens. Passeavam sob meus olhos como os transeuntes nos bares em que sentado eu lia o pequeno diário. Era uma vida tão intima naquelas palavras, e eu via um mundo que não estava tão longe de mim, me perdi, me vi em cada história lida, quis ser ela, na solidão de seu quarto a escrever, quis ser ela ao dar o primeiro beijo, ao encontrar o primeiro corpo, o primeiro amor, a primeira decepção. Quis ser sua decepção, seu amor, usar suas palavras, ser sua melhor amiga, quis ir àqueles lugares registrados, quis ser aquele menino. E depois respirei fundo e fechei o caderno, estava perdendo a minha vida, já era tarde e eu não dormia, minha barba estava enorme, faltava no trabalho e mal comia. Só pensava no diário, nas palavras do diário, na vida contida ali. Me levantei e fiz a barba, fui ao trabalho com o diário debaixo do braço, o outro segurando o corrimão do ônibus, passei o dia inteiro com ele e a noite voltando para casa sentei no sofá e li então a sua última página, estava me despedindo de mais uma vida. Então o fechei e coloquei na estante no meio dos outros livros.