Mais um dia comum em que se esbarra no tempo a mesma monotonia que há às vezes ou quase sempre em viver, mesmo que para alguns a vida seja sempre deliciosamente atraente ou irresistivelmente vivida com pressa com a intenção de se ter sempre alegria. O estado das coisas parece estar tranqüilo, no mesmo dia se encontra alguém para conversar, alguém que talvez você nunca tenha visto na vida, mas que você passe horas a conversar com a intimidade de anos. É meio assombroso às vezes encontrar alguém assim do nada, em que se perceba uma empatia, rápida e fácil, mesmo com meu ceticismo, ainda acredito em certas energias, talvez seja algo divino mesmo, algo como uma epifania. Dentre as diversas sardas dessa tal pessoa eu percebi um conforto e uma doçura quase impossível e que em muitas vezes me desconfiava, pois meu coração tão magoado por boas intenções às vezes desconfia, mas é rápido, pois logo estou prestes a estar de braços abertos a próxima pessoa a entrar na minha vida. Seria confiança demais? Pensei. Seria demonstrar algo que não existia até então para a tal pessoa ao aceitar seu convite? Enfim, com toda pressa em viver que cultivava e cultivo neste momento de minha vida aceitei o convite da tal pessoa e fui a sua casa, não me parecia recusável, um belo par de olhos castanhos que só ganhariam importância bem depois. Talvez nos conhecêssemos há muito tempo pensei, talvez de vidas passadas, eu não acredito nessas coisas, mas sei que tal pessoa possa ter pensado o mesmo, em certos momentos quis tanto ultrapassar a barreira do medo, quis tanto tocar as suas mãos e dizer que eram lindas, quis tanto responder aos seus olhares e seus pensamentos que fui fria, e tanto assunto, que não paramos de conversar por pouco mais de quatro e ininterruptas horas, que não foram enfadonhas, e que nos fizeram preparar o ritual que precisávamos para enfim nos beijarmos em frente a sua casa, nos batentinhos como duas crianças dando o seu primeiro beijo, com pessoas a passar pelo outro lado da rua e que não nos importavam. Naquele momento nada me importava, o seu cheiro, o seu gosto, e as suas lindas mãos sim. Suas mãos, que lindas, doces e sensíveis, que enfim pude tocá-las. Seu cheiro durou em mim por horas e antes que ele passasse a tal pessoa me fez entender que não poderia ser só esse dia, logo estaríamos mais uma vez dividindo olhares, conversas, copos, impressões, gostos, abraços e sensações. Não era para ser tão rápido, não precisaria, as nossas horas de conversas e os nossos encontros nos outros dias denunciavam que não seria rápido e fácil nos separarmos como foi rápido e fácil o nosso encontro. Dessa vez não ia encontrar uma pessoa numa noite e nunca mais vê-la e nem ter vontade de vê-la, dessa vez eu sabia que iria vê-la e quis, e não poderia ser de outra forma. Muitas vezes imaginei um dos contos de Caio Fernando Abreu, “nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa”, nada de mal me aconteceu. Tão simples tal pessoa, sua beleza, sua forma de se vestir, de ser, tão diferente da forma que imaginei, talvez tudo que desejamos nem sempre venha, porque o que realmente queremos acontece da forma mais contrária possível, já dizia o Cazuza “o amor na prática é sempre ao contrário...” Mais contrário do que encontrei? Acho que não imaginaria, nenhum medo se pôs acima do que sentia, e nenhum medo me impediu de sentir, coisas arranjadas, coisas inesperadas, ao sair de casa tal pessoa disse que encontraria alguém, quando sai de casa naquele dia não pensei em nada, é tão bom quando não se pensa em nada, quando as coisas acontecem, parece mais verdadeiro o acaso. Parecia cinema, imagina eu e você? Depois de alguns dias, algumas noites, e algumas madrugadas, um pouco mais que uma semana, alguns gestos, alguns silêncios, alguns medos, algumas loucuras, nenhum arrependimento. Agora a realidade torna, como sempre fria e impiedosa, e o tempo dá um pouco de medo, eu acordei esta manhã, e já não estava mais com a mesma liberdade, já não estava mais com a tal pessoa que encontrei em tal noite e que fiquei por uma semana, sonhando, vivendo e sentindo o que não sentia há tempos e que não imaginava sentir de novo agora. Hoje é mais um dia, inútil, monótono, precioso, infalível, em que não tenho pressa, apenas saudade, e vontade, de poder fazer de novo desses mesmos dias tão preciosos e cheios de vida como há alguns dias atrás.
*o conto de Caio Fernando Abreu a que me refiro, é o conto: Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos de “minha vida”.
quarta-feira, 25 de junho de 2008
Apenas mais um pouco de Tempo...
Às vezes penso no silêncio. Penso em tardes que não existem mais, conversas nunca mais conversadas, beijos nunca mais trocados, pessoas que nunca mais verei, gente que passa, sentimentos que passam. Só a lembrança fica, a memória é imortal. Mas que sou eu? Uma velha a pensar no passado? Paro e só tenho vinte e poucos anos, ainda existe o hoje, e amanhã também virá, mas sempre será hoje, o ontem passou, e só deixou a lembrança dele, o que revela que não podemos mais fazer nada quanto ao que aconteceu, apenas lembrar, o que não quer dizer que tenha que se viver de lembranças, pois se o passado não é continuo, o presente dura, e é dele que devemos lembrar. Mas o verbo lembrar não combina com presente, foi feito para usar com o passado, o presente não se lembra, o presente se vive. Quero ser eu como um verbo Gerúndio, continuo, durativo, indefinível de tempo, sem pressa, processo que não se acaba, transforma, vive. Sem relógios, sem bússolas, sem rumo, sem direções. O presente a rolar como uma pedra no despenhadeiro, como um fluxo. No fim serei eu como sempre, e como nunca fui, pois o que já fui e não sou mais é passado, e o que sou é o que se ver hoje, e o que serei não se define. Transformação. E não modismo. Quero me transformar para algo melhor do que sou, quero descobrir para poder me transformar, assim serei em mim uma eterna descoberta, e para você talvez eu seja também, basta apenas me conhecer, hoje.
Assinar:
Postagens (Atom)