domingo, 29 de novembro de 2009

Reescrevendo a folha em branco


Dentro do tempo
Vi a velha máquina
Tão velha quanto o rosto refletido
No espelho adormecido.
Senti saudades da beleza pronunciada
Acorda espelho!
Diz se existe alguém mais bonito que eu?

Meus dedos tortos de juventude
Minha mão ágil de aventuras juvenis
Endireitei o espelho para ver a folha em branco
E criar um passado já passado
E lembrar de novo o que se foi


Olho o branco com mil possibilidades de ser
Mas só o ruído da máquina
Com vogais e consoantes
Brigando entre si
Para resgatar aquela antiga beleza
Presa no castelo da bruxa memória.

Escrevo então como um velho que sou
E resgato a beleza da minha juventude
Assim faço o presente vivo
E o passado morto
De saudade ou de tempo.
Vivo
E não quero mais rejuvenescer.


Por Saulo e Lella

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Barco embriagado ao mar

Já nem sei em que barco me levo
As velas flutuam com o vento
Voam.
O barco é veloz
Sobre águas mansas
E lento
Sobre tempestades.
Me contradigo
Puxo o leme em direção oposta
E ancoro sobre os mais temerosos lugares
Águas revoltas
Barco embriagado
Luzes de faróis piscam
A escuridão que não me deixa ver
Vou partir
Este porto já não me porta
Preciso navegar.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Sono

Fechar os olhos
Adormecer os pensamentos
Escutar o inconsciente se manifestar.
Preciso achar a melhor cama
E ouvir uma canção de ninar
Quero morrer
E acordar pela manhã
Quero a noite
Sem goles e tragos
Apenas sonhos
Que nunca passarão
A ser
Realidade.

sábado, 14 de novembro de 2009

Vida


Com a mesma pressa da chegada, a partida, em ritmo certo para a mesma velocidade, em destinos contrários, janelas embaçadas dentro das pupilas cansadas de rotina e silêncio cotidianamente constrangedor. As mesmas caras expostas nos mesmos aposentos largados em frente a cada um, com a paisagem cheia de nucas desconhecidas e cabeças, e cabelos e mais nucas e nunca a conhecer nenhum pensamento delas. Digo, nem sempre nunca, vez ou outra, uma dessas nucas inclinava-se para o seu lado e começava a falar sobre o tempo, a vida ou a morte. Ela com atenção escutava procurando traços de si nos outros, ora fingia escutar procurando traços de algo desconhecido nos rostos e esquecendo as palavras ouvidas. Tudo passando veloz, como os carros amigos ao lado, conversas, ruas, pessoas, casas e luzes. Com tanta paisagem se pintaria milhões de quadros, mas a velocidade na janela não deixava fotografar, se perdia em seus pensamentos e eles passavam ligeiro como fotografias formando uma película nunca mais revista. E tudo a passar, como os livros lidos da estante, alguns lidos com calma, outros lidos e apenas lidos, nada para se lembrar. Pessoas e situações, e beijos e palavras, e vindas e vidas. Dos trezentos e sessenta e cinco dias vividos em cada ano, nos lembramos de alguns poucos, e das vinte e quatro horas de cada dia, dormimos e nós esquecemos, e a vida não é tão devagar quanto alguns setenta anos vividos por uma pessoa, a vida passa rápido, veloz como as imagens passadas nas janelas dos carros e dos ônibus. Muitas vezes enquadradas outras em movimento continuo que não cessa, esquecendo assim o motivo de se existir. Se é que há motivo, ou se os motivos são tão inconstantes quanto o movimento das paisagens nas janelas. Passam, não ficam, não se tem o que compreender.

Aqueles olhos claros

Chiquinho foi embora depois do carnaval, já farto de tanto batuque e pauladas.
A vida não era fácil, brigas cotidianas, grana curta. Um dia todo mundo cansa.
Ninguém sabe ao certo por onde ele anda agora. Uns o viram acabrunhado próximo à feira, outros juram que ele conheceu outro alguém e apaixonado decidiu sumir. Amelie estava muito focada em suas novas atividades. Depois de tanto tempo juntos ela se interessou por vida acadêmica e boêmia e em nenhuma delas cabia mais Chiquinho. Às vezes ele passava dias inteiros sem ela e quando se viam não era a mesma coisa. Não por ela, não sejamos injustos. É que Chiquinho lá dentro dele almejava outros braços, braços mais atenciosos. E dava pra notar em seu olhar perdido por baixo da mesa de sinuca. Um belo dia tomou coragem, atravessou ruas e ruas e tomou gosto pelo vento que rodava solto por seu corpo. Cheirou porcarias e carne fresca, parou diante dos carros e acelerou quando podia. A casa ficava cada vez mais distante e não sentia saudades. O chão chamava mais chão e ao olhar para trás nada o impedia de prosseguir. Cansado durante a noite desejou uma só vez a velha cama de tapete e a água fresquinha perto da porta da cozinha. No mais, seu coração aventureiro rimava versos ao som de novos batuques de outros carnavais nada parecidos com os de antes. Mas aquela casa com tijolos quadriculados e o leve roçar das mãos de Amelie sobre os seus pêlos lhe fez entender que as aventuras de uma nova vida não lhe era assim tão atraente, nada se comparava ao cheiro do colo de sua amada, nem mesmo o contato com o chão gelado de sua antiga casa, e as músicas que vinham do rádio da sala direto para seus ouvidos quando estava dormindo. Lembrou do último olhar que viu de Amelie, incompreensível como o último olhar que deu a ela, azul e enrugado, Amelie entendeu mas não soube dizer como, seus olhos reproduziram a mesma sensação, era a derradeira vez que o vira. E assim não sentiu a mesma calma que sentia quando lhe encontrava no terraço, dormindo no tapete, calmo, mesclado, de olhos tristonhos que pediam carinho, e ela dava mesmo sem os ver, tantas vezes lhe sufocou com isso, tanto que Chiquinho despejava sobre ela seu veneno felino, e lembrando disso Chiquinho sofreu, lamentou a fuga, lamentou o último olhar de Amelie, lamentou os novos amores encontrados, lamentou a volta. E descendo a calçada em busca dos dedos delicados de sua verdadeira amada que chorava sob a varanda da casa quadriculada a sua espera, encontrou o brilho de uma luz que não sabia de onde vinha, esse brilho ofuscou sua visão e deixou tudo claro. Amelie continuava a esperar.

Por Paula e Lella

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Caminho

Cheio do pouco
Vazio
Que tenho.
Inspiro um olhar
Cheiro o silêncio
Busco algum sorriso
Que me leve a crer
Que existe
Algo
De verdade.
Na minha vida
O objetivo
É querer
Depois se aprende
Com o que não voou
Do pensamento.